Semiload – A ausência de Anitta

Precisamos falar sobre Anitta. E quem pega essa missão é a Dora Guerra, nossa colunista joint-venture que bota o assunto principal da ótima newsletter Semibreve dela para rodar dentro aqui da Popload, virando a Semiload. A cantora performer brasileira está num momento bem estranho de sua enorme carreira. Parece que vai ganhar corpo (no pun intended) lá fora e não ganha. Ao mesmo tempo que não tem acontecido muito no Brasil. E quem se não a Dora para fazer este textão necessário de nossa maior artista hoje. Maior mesmo?

E a anitta, hein, menina?

Eu sei, você cansou, eu cansei também. Mas eu acho que, sei lá, ainda tem coisa para falar sobre o tópico Anitta.

Primeiro, demos a César o que é de César. Não estamos falando aqui de uma artista conhecida por lançar álbuns com forte estética e coesão. Estamos falando de uma cantora que nunca teve vergonha de ser marketeira, de querer o topo da cadeia alimentar, mas que levantou algumas bandeiras para si – como a do funk brasileiro, sabemos; um leve feminismo liberal; entre outras. 

Sobretudo, é uma artista que está onde está porque já vimos o que ela sabe fazer. Não pelo corpo, por sensualizar. Ou pelas polêmicas. Em algum lugar nela reside uma popstar cujo carisma e talento conquistou o Brasil e elevou o nível do pop nacional. Ponto. 

Uma artista com mais de uma década de sucesso que, se fosse uma startup, tinha batido todas as metas de vendas. Era textão no Linkedin, case de sucesso, piscina de bolinha e prêmio Great Place to Work. 

O meu problema é o que uma artista como ela faz a esse ponto da carreira. O meu problema é o quanto ela vem prometendo e, sucessivamente, se recusando a cumprir.

É pedir muito que, com tantos recursos, ela fosse uma artista que se preocupasse em elevar o nível de seu próprio trabalho, em vez de se contentar com músicas, vídeos e conceitos para lá de medianos?

Então, é aí que o negócio complica. A cada passo que Anitta dá para frente, parece que dá cinco para trás. Lança música atrás de música sem nexo, sempre sob a suposta ideia – cada dia mais frágil – de que é a representante internacional do funk carioca.

E, sob essa alcunha, vai do popzinho ao reggaeton, com doses homeopáticas de um Brasil sem profundidade, adaptado à gringa.

(Sinceramente? eu nunca esperei que ela representasse um país inteiro em sua discografia. mas a constante promessa, seguida por vídeos caricatos e quase ofensivos, foi ela quem fez. Não fui eu).

A escolha do espanhol é debatível, mas nem é essa a questã. Anitta se ancora na justificativa de que ser brasileira é o empecilho – e claro, não deve ser um facilitador lá fora. Mas em tempos de Bad Bunny, Karol G e até o delicioso retorno de Shakira, acho que é justo sonhar que a autoeleita embaixadora do Brasil mostrasse uma tradução esperta do que é o nosso país. Ou que se empenhasse nisso, pelo menos, em vez de procurar a busca da fama pela fama, a qualquer custo, de qualquer jeito.

Vá lá, estamos em época de TikTok e o gosto pelo comercial existe, mas eu não acho que seja a era da música pasteurizada. Estamos na era de artistas que, mesmo no auge da crista pop, têm personalidade, marca e criatividade. Eu posso estar falando absurdos, mas não acho que está na moda fazer trabalhos genéricos mil, mil vezes.

O que me incomoda, na verdade, é que Anitta tira todo o véu de seu trabalho e não tenta – não de verdade – mostrar uma preocupação estética, musical, artística. Ela está sempre se baseando no que deu certo para os outros, no que parece render números, e nunca no que ela, como artista, tem vontade de expressar. Anitta é gente, passou por muita coisa, tem uma cultura rica – podia querer expressar mais. 

De que tudo isso importa? Não é só parar de ouvi-la? Claro (vamos fingir que eu consigo parar de ouvir algo sem fazer textão antes). Mas se ela se coloca como o principal produto de exportação do nosso país, a epítome do pop nacional rumo ao internacional, ela se torna um inevitável objeto de análise. Pensar sobre como uma artista desse porte decide conduzir sua carreira é, também, uma forma de pensar sobre o que a gente é e pode ser em nível de mercado. 

Ao pensar na Anitta, lembro como é importante – para mim, pelo menos – que exista alguma fachada. Alguma ideia, mesmo que distante, de que aquele artista tem referências para além de si mesmo. Vontade artística e criatividade para além de lucro. E algo nessa conta não fecha: se ela quisesse somente a grana, já não tinha parado?

Pois é. Anitta frustra porque poderia fazer mais. Acho que em algum lugar, ela quer fazer mais. Mas não sai do raso, nem da filosofia autocentrada, para olhar para o que poderia ser. E, em um momento tão interessante para os artistas latinos de apelo comercial, tem gente a mil por hora e ela corre em círculos.

Às vezes acho que quem será o que a Anitta pretende ser não será a própria.

Mas quem sou eu para dizer? Já diriam os fãs da Anitta: eu sou uma fracassada que não tem nenhum hit no top 100 da “Billboard”.

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Dora Guerra é o que pretende ser no X, na conta @goraduerra.

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