Popload Entrevista: MOBY. O show não deve continuar


Meus gatos odeiam barulho. Quem me segue no Instagram os conhece bem. Quando estou ouvindo discos ou rádio na sala a um certo volume alto, eles vão prontamente para outros cantos da casa.

Mas curiosamente algo aconteceu quando há pouco tempo eu botei para tocar o novo disco do músico, compositor, produtor, DJ e dono de selo americano Moby, “Always Centered at Night”, recém-lançado. Os gatos ficaram tranquilos na sala comigo o tempo todo da audição desse que é o 22º álbum de Moby.

Entre todos os atributos a ele destacados no parágrafo acima, tem um outro que define muito bem o cara que já vendeu mais de 20 milhões de discos desde que iniciou sua carreira no final dos anos 80 na dance music, resvalou no punk e ajudou a popularizar a música eletrônica no grande boom dos anos 90: Moby milita ativamente e há anos pela causa animal. Meus gatos saberiam disso, de alguma forma?

“Eu acho isso que você contou muito engraçado, não sei explicar. Já me disseram algo parecido outras vezes. E também já me falaram bastante, amigos principalmente, sobre bebês gostarem da minha música. Eu fico lisonjeado”, afirmou Moby em entrevista para a gente.

A coisa animal, ou, melhor, a causa animal, fica evidenciada e conectada a sua música quando sabemos que Moby vai voltar a se apresentar ao vivo depois de dez anos longe dos palcos (ele odeia shows, no caso quando é ele quem os faz).

O músico anunciou para setembro seis shows grandes na Europa (Londres, Antuérpia, Berlim, Düsseldorf, Paris e Lausanne, na Suíça) para comemorar os 25 anos de seu mais bem-sucedido álbum, o “Play”, que fez história em 1999 ao se transformar, com suas 12 milhões de cópias consumidas nas lojas, no disco de música eletrônica mais vendido de todos os tempos.

Vários singles do “Play” foram parar em incontáveis filmes de cinema, seriados de TV, comerciais, vinhetas de programas. Viralizou antes de existir redes sociais, digamos.



E essas apresentações especiais na Europa em tributo ao “Play”, em setembro, vai ter todo o lucro indo direto para organizações que defendem os direitos dos animais.

“Eu tenho três objetivos com essa minha volta aos palcos”, começou explicando Moby, quase que pedindo desculpas por ter que se apresentar ao vivo novamente, coisa que ele não se sente bem fazendo e não faz nenhuma questão em admitir isso.

“Primeiro para ajudar os animais através de ongs sérias especializadas, e essa é a razão principal. A segunda é, em uma cidade que não é a minha, tocar o que realmente as pessoas queiram que eu toque, para criar uma atmosfera emocional que privilegie o público, no fim das contas. Você já deve ter ido a um show em que a banda ou o artista solo tocou o que ele queria, não exatamente o que seu fã esperava e pagou dinheiro para eles para estarem lá. E eu acho isso um desrespeito. Então estou colhendo aqui e ali informações do que as pessoas queiram que eu mostre a elas no palco.”

E Moby completa seus objetivos na difícil tarefa de voltar a fazer shows dizendo que sua terceira razão é algo em causa própria, desta vez: “Fiz questão que a última apresentação dessa tour fosse numa cidade na Suíça que eu consiga tocar e olhar para as montanhas. Quem sabe eu consiga que alguém, depois do show, me leve lá em cima nas montanhas”.

Como dissemos lá em cima, Moby está dando esta entrevista muito por conta do lançamento de seu novo disco, o belo “Always Centered at Night”, um álbum colaborativo onde o músico e produtor compõe todas as músicas e chama outros vocalistas para cantá-las. Um dos convidados é até o escritor, ator e cantor Benjamin Zephaniah, que morreu em 2023.

Mas a única turnê marcada para o artista-que-não-gosta-de-turnês é essa do disco de 1999, não este de 2024. Não vai ter, Moby?

“Olha, vamos ver como vai ser essa de setembro, a do ‘Play’. Se tudo correr bem, talvez mais para frente eu marco uma turnê adicional, do disco novo. Mas, você sabe: eu sou um cara muito feliz estando em casa, tocando minhas músicas no meu quintal, fazendo minhas caminhadas, trabalhando em ajudar os animais. Espero não precisar nunca ser o artista que faz 200 shows ao ano. Tudo bem para mim se eu fizesse CINCO shows em 12 meses”, confessou Moby.

Moby tem uma carreira de 22 álbuns, contando o novo, e já fez de tudo na música em 35 anos de carreira, desde que se mudou para Nova York e começou a se destacar como DJ. Mas ainda encasqueta muito quando o assunto é shows. Os dele.

“Não me entenda errado. O que eu mais gosto em música e o que ainda me motiva a trabalhar feliz com música é a capacidade que você tem de através dela criar emoções para outras pessoas. Não estou dizendo que eu seja bom nisso, ou o que eu sempre consiga, ou que as pessoas vão gostar do que estou fazendo, mas ter a oportunidade de ter passado a vida toda trabalhando com música é muito gratificante para mim. Eu não me importo muto com carreira, não ligo para as opiniões das pessoas sobre o que eu faço e como faço, mas eu realmente dou importância é sobre o poder da música e como ela me proporciona, no dia a dia, trabalhar em fazer a música que eu amo.

Moby já veio se apresentar algumas vezes no Brasil, seja como DJ ou fazer shows mesmo, talvez num tempo em que ele tinha mais tolerância no palco e conseguisse juntar suas caminhadas solitárias por lugares diferentes ao fato de tocar para milhares de pessoas.

Ele diz lembrar da maioria delas, mas a mais marcante para ele foi no comecinho dos anos 90, 1993 para ser exato, quando veio ao país para participar de uma tour de raves, produzida pelo ex-DJ e empresário paulistano Carlos Soul Slinger, que depois ficaria seu amigo.

Tocar em lugares exóticos, em meio a uma floresta, com o público provavelmente em estado alterado o marcou? Nada… Moby diz lembrar até hoje que no aeroporto de São Paulo ou Rio e comprou o relógio mais legal de sua vida.

“Nunca vou me esquecer dele. Era um daqueles relógios Casio, acho que paguei 20 dólares. Ele mostrava onde os planetas estavam no Sistema Solar. E em algum ponto da viagem eu o perdi. Uma das coisas que eu mais me arrependo na vida foi perder esse Casio barato.”


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* Este texto saiu originalmente na revista fashion-cultural “Numéro Brasil”, em sua última edição, já nas bancas.

** As fotos de Moby usadas para este post são de Mike Formanski.

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