CENA – A incrível história do disco do Del Rey que levou quase 20 anos anos para ser lançado 

Bom, o título entrega tudo o que vai ser tratado neste post. E, se é para falar de uma incrível história, nada melhor do que convocar o incrível lado jornalista do nosso colaborador weekender Pedro Antunes.

Foto: Pamela Gachido/Divulgação

Por Pedro Antunes

Uns dez anos atrás, lá pelo início dos anos 2010, se você por um acaso passasse pela Rua Augusta numa madrugada qualquer – e qualquer mesmo, não importava se era terça ou domingo – havia uma boa chance de tropeçar em um show da banda Del Rey

E a sensação seria familiar. Seja pela formação presente no palco – lá estavam Chinaina, ou China, que havia se destacado alguns anos antes com o projeto Sheik Tosado, e a turma do Mombojó, ambos nomes de destaque da atuante cena pernambucana dos anos 2000 pós-manguebeat.

Em segundo lugar, familiar também seria o repertório. O Del Rey entoava (e entoa, até hoje), clássicos jovem-guardistas de Roberto Carlos, principalmente pelos anos de ouro do Rei, do fim dos anos 60 e início da década seguinte. 

O grupo, segundo o próprio China, o segundo da foto acima à partir da esquerda, sempre foi uma banda de baile, nunca de estúdio. Fazia sentido, já que a vibe daquelas apresentações era caótica (do bem), somadas à energia boêmia das noites viradas entre risos, festinhas, beijocas e biritas. Tudo muito difícil de traduzir para o álbum. 

Também havia a dificuldade de se garantir os direitos para registrar cada uma daquelas canções, de Roberto Carlos e Erasmo Carlos a Tim Maia, Paulo Cesar Barros, Renato Barros e Getúlio Côrtes, entre outros. 

Eis que, neste surpreendente 2023, o Del Rey lança o disco “O Disco”, sua estreia no mundo dos fonogramas, “apenas” 19 anos após subir ao palco pela primeira vez. 

“Eu diria que é uma estreia, mesmo”, explica o nosso Chinaina em um papo com a POPLOAD, para explicar afinal qual conjunção astral culminou na gravação d’“O Disco”, com dez músicas previamente gravadas por Robertão, como “Ilegal, Imoral ou Engorda”, “Não Vou Ficar” e “Se Eu Pudesse Voltar no Tempo”. 

As versões não são idênticas às originais, por maior que tenha sido o esforço da banda para replicá-las. “A ideia sempre foi tentar tocar as músicas parecidas com as originais, mas nunca conseguimos essa proeza”, admite China, antes de cair na gargalhada. “Acho que por cada um de nós ter uma personalidade como músico. Outro fator são os arranjos originais de algumas das canções que traziam metais e orquestras. Reinventamos essas partes para órgão e guitarra.”

O próprio China também evita repetir os trejeitos do Rei para cantar com o Rey: “Não queria imitar Roberto, queria a minha visão é sentimento para essas canções”.

Segundo o vocalista, o difícil, mesmo, foi convencer a banda a gravar o álbum. “Sempre imaginamos o Del Rey como uma banda para animar festas. Nunca passou por nossa cabeça gravar algo”, revela. 

O que mudou, então? “A pandemia”, ele explica: “Começamos a pensar que seria interessante ter as nossas versões registradas para a posteridade. Sei lá, algo que marcasse um tempo mesmo, sabe? Daí fomos pro estúdio registrar isso”.

Foram para o interior de São Paulo trabalhar no álbum. No estúdio, Chinaina e os mombojós Chiquitito Corazon, O Príncipe, Vicente Machado e Felipe S. tiveram a companhia do baixista convidado Estevan Sinkovitz Neto. 

“Ficamos uma semana no meu estúdio, convivendo juntos, tocando juntos e acho que isso influenciou no processo. Na hora de gravar a gente já tinha a quilometragem de anos na estrada tocando essas músicas e também a nossa amizade. Nos conhecemos há muito tempo. Só de a gente se olhar já sabemos para onde as músicas têm que ir. Foi totalmente intencional gravar com a mesma energia do ao vivo e acho que todos esses fatores contribuíram para isso.”

É importante fazer uma pausa para um momento palestrinha para explicar um recorte da história da música alternativa brasileira do início do milênio. Isso porque em 2009 Arnaldo Antunes, o ex-e-também-atual Titãs lançou um álbum chamado “Iê Iê Iê”, produzido pelo sempre incrível e versátil Fernando Catatau. 

Antunes, que não tem qualquer parentesco com este que escreve o texto, é uma parabólica e captou um movimento, em diferentes cantos do país, que revivia a música jovem-guardista, que flertava com o brega. 

O disco resgatava o espírito desse som, com aqueles refrões megacantaroláveis contornado por sons de órgão e tecladinhos que traziam um sabor de nostalgia. Se quiser, ouça o álbum e depois volte aqui. 

E aquele disco gerou muitos “filhos”, em álbuns subsequentes de artistas como Marcelo Jeneci, Tulipa Ruiz, Tiê, Otto, Cidadão Instigado, Ortinho, Barbara Eugênia, Tatá Aeroplano e Edgard Scandurra. 

O show do Del Rey era uma comunhão de um movimento artístico-musical centrado em resgatar uma estética sessentista e transformá-lo em uma gigante celebração. 

“A jovem guarda está presente em todas as gerações. É algo no inconsciente coletivo. No início da banda o nosso público era formado por gente mais nova. Com o tempo, essas pessoas começaram a levar os pais, tios, avós para as apresentações. Então os shows são uma grande confraternização de gerações. Para o disco, quisemos manter a energia. Você pode ouvir com seus pais enquanto conversam sobre a jovem guarda, por exemplo.”

Se você quiser ser nerd de música ao dar o play em “O Disco” é possível sentir a tal organicidade citada por China. Tudo gravadão ao vivo, com uma energia que só se ouve em trabalhos registrados assim – há um ruidinho aqui e ali, algo que não necessariamente foi ultraprocessado ou excessivamente polido.

“O Disco” tem também mudanças de temperatura ao longo das dez músicas. “Na mixagem tentei achar um ponto em comum com os diferentes públicos que gostam da gente”, explica China. Há o Roberto rebelde, de “Ilegal, Imoral ou Engorda” e “Não Vou Ficar”, ao Roberto romântico, de “Ninguém Vai Tirar Você de Mim” e “Quase Fui Lhe Procurar”. 

O grande destaque está na última música do álbum: “Se Eu Pudesse Voltar no Tempo”, uma canção de ritmo lento e melancólico. A letra, com um título bastante autoexplicativo, talvez não fizesse tanto sentido para os jovens de 20 e poucos anos virados e vidrados na Rua Augusta, mas que se conecta diferente com essas mesmas pessoas, agora ex-jovens, trintões ou quarentões, de noites mais curtas e com maiores responsabilidades sobre os ombros.

“Foi muito tempo de espera, né?”, admite China. “Ensaiamos essas canções durante 19 anos para fazer o melhor possível.”

E ele deixa uma promessa ou dica no ar: “Quem sabe a gente não se anima e logo lançamos outro? Afinal de contas, temos um repertório ensaiado com mais de 50 clássicos da jovem guarda.”

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