In-Edit Brasil traz o polêmico (e premiado) filme de Peter Doherty ao Brasil. Festival de docs musicais começa dia 12 com 20 filmes internacionais inéditos

Chegou junho e com ele o incrível “In-Edit”, o festival internacional do documentário musical que acontece de 12 a 23 deste mês em São Paulo dentro e fora das telas, cheio de longas e curtas, nacionais e gringos, agrupados nas seções Competição Nacional, Mostra Brasil, Brasil.Doc e Curta um Som, a Sessão Flashback, o Especial Música e Máquinas, além de shows, debates e masterclasses. 

O carro-chefe do festival, que nasceu em Barcelona, ocorre em mais outras cinco cidades do mundo e chega a sua 16ª edição no Brasil, é a mostra Panorama Internacional, a dos gringos. Neste ano, tem uma seleção de 20 títulos inéditos no circuito comercial.

A programação toda está incrível e variada, você pode acompanhar com detalhes aqui. Ainda falaremos bastante dela nos próximos dias. Mas queríamos destacar um filme em especial de todo o In-Edit 2024, um dos mais Popload de todos eles.

Vencedor do In-Edit Barcelona do ano passado, a mostra brasileira deste ano vai trazer o longa “Peter Doherty: Stranger In My Own Skin”, dirigido por Katia De Vidas, a mulher do famoso vocalista e guitarrista da banda inglesa The Libertines.

E a gente começa falando exatamente da questão do “r” de Peter, no titulo do filme.

O jovem Pete Doherty teve que morrer para nascer o senhor Peter Doherty, ícone punk cool da Inglaterra cujo momento de vida mais complicado está neste documentário “familiar” que será exibido em São Paulo no In-Edit. De volta ao Libertines, PeteR (não confunda mais) agora só quer viver de sua música perto da praia, com disco novo e tudo

O complicado Peter Doherty deve ser hoje o principal músico inglês vivo (incrivelmente ainda vivo, no caso!), considerando um recorte geracional mais recente. Isso depois que Morrissey (anos 80) perdeu a cátedra ao virar mais americano que britânico e passar de ser humano estudado nas universidades do Reino Unido por sua obra a objeto de estudo do mundo difícil de hoje por tantas declarações inconvenientes sobre política e sociabilidades em geral.

Noel e Liam Gallagher (anos 90), os irmãos do finado Oasis, brigaram e brigam tanto e sem parar desde que a banda acabou que transformaram o “heroísmo do proletariado britânico” que carregavam numa referência de intolerância familiar que por tantas picuinhas afastaram sua “nobreza”, sem piadinha com a Família Real. 

Já Peter Doherty, o nosso personagem aqui porque ele-mesmo personagem desse mais relevante e desnudo documentário da música atual, o filme “Stranger in My Own Skin” (traduzível livremente como “Um estranho dentro do meu próprio corpo”), cumpriu a trajetória do herói de um modo inabalavelmente honesto e revelador para a garotada inglesa, dentro do que uma produção de uma hora e meia de duração pode conter. E contar.

Doherty botou o coração desnudo no Libertines, fundamental banda punk inglesa da qual surgiu ao grande público na co-liderança ali em 2002, como “resposta imediata” britânica ao avassalador sucesso indie dos americanos Strokes e White Stripes, que estavam enchendo o rock mofado da época de sanguinho novo, inclusive no Reino Unido.

“Co-liderança” porque seu parceiro do Libertines, o guitarrista Carl Barat, que dividia com Pete (mais novinho ele não queria ser chamado de PeteR) os vocais dos hinos punk da banda, teve com ele algo que batizaram logo de “bromance”. Eram tão amigos, mas tão amigos, que pareciam namorados. Mas sem ser.

Esse bromance, com Peter como artífice, era declarado nas entrevistas que davam, no palco, no jeito quase beijo de cantarem no mesmo microfone, com as bocas incrivelmente perto uma da outra sem se tocar.

Mas aí, com o auê todo que Peter e o Libertines protagonizaram, até de modo repentino atingindo um sucesso absurdo no novo rock britânico, vieram as drogas pesadas. E lá se foi “nosso herói” com elas.

É o recorte pesado do vício quase fatal (mesmo!) a força motriz de “Stranger in My Own Skin”. Um recorte, no caso do filme, de 10 anos.

E filmado e dirigido de forma absurdamente íntima por sua mulher, a fotógrafa e cineasta Katia de Vidas, em uma das “fases francesas” de Peter, quando fugia para viver em Paris porque a Inglaterra o mataria, já tinha brigado com o “namorado-amigo” Carl Barat depois de roubá-lo e ir para a cadeia, construído uma errática e ainda assim brilhante carreira solo ou com outra banda (Babyshambles) e também após injetar praticamente todo o dinheiro que tinha ganhado com a música.


Katia de Vidas gravou cerca de 200 horas do parceiro em suas idas e vindas de sobriedade e normalidade, mas quando já não se sabia o que era um Peter “normal”, se o sob efeito das drogas ou quando tentava ficar limpo por alguns dias. Ele tinha brilhos criativos quando estava são ou afundado? O filme mostra, através de comoventes depoimentos de Peter Doherty na simplicidade de seu próprio lar, no contato “em quatro paredes” com a pessoa que vivia a seu lado, suas lutas, a maioria delas derrotas certas, contra seus demônios.

Fast-forward para 2024. Agora um jovem senhor de 45 anos, aparentemente limpo, um pouquinho naturalmente com mais peso do que em seus tempos de turbulências física e química, Peter Doherty tenta resgatar com a maturidade seus bons momentos de poeta da juventude britânica.

Retomou o bromance com o parceiro Carl Barat e voltou ao Libertines para lançar esse novo “All Quiet on the Eastern Esplanade”, apenas o quarto álbum da banda em seus 20 e poucos anos de carreira. O disco saiu no comecinho de abril.

É realmente uma nova vida para Peter depois do inferno que criou para si mesmo em seu auge de popularidade, como o nome do disco parece indicar. A região ali citada, na tal esplanada oriental do título, é seu bar/estúdio/hotel que a banda montou na pandemia na cidade litorânea de Margate, a hora e meia de trem distante de Londres, a um pulinho também da Bélgica, saltando o Canal da Mancha.

É uma cidadezinha litorânea ao Leste de Londres que virou a praia mais badalada da Inglaterra, também por sua famosa qualidade de vida.

É nesse ambiente que Peter Doherty deve reviver seus bromances, suas poesias, suas músicas. Enfim, sua nova vida. Esperemos.



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* Este texto saiu originalmente na revista fashion “Numéro Brasil” de maio.
** “Stranger in My Own Skin” passa em São Paulo, no festival In-Edit, pela primeira vez na Cinemateca Brasileira, no dia 16 de junho, semana que vem, às 20h30. Depois tem exibições no Cinesesc, 19, 20h30 e no Cine Bijou, 22, também no mesmo horário.
*** Todas as info do In-Edit 2024 podem ser encontradas aqui.

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