CENA – As histórias por trás das músicas do último disco da Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo, que completa 1 mês

Téo Serson, Sophia Chablau, Theo Cecato, Vicente Tassara. Foto: Helena Ramos

A banda paulistana Sophia Chablau e uma Enorme Perda de Tempo reinicia neste domingo a série de shows de divulgação de seu ótimo álbum “Música do Esquecimento”, lançado em setembro há exato 1 mês.

A tour já passou por São Paulo, Brasília, Goiânia, Uberlândia e Uberaba, e segue agora para Belo Horizonte (domingo) e o interior de São Paulo na próxima semana.

Uma das coisas que diferencia os shows da SCUEPDT de outros shows “normais”, digamos, é que para além de seu som pop rock cabecinha com referências retrô de vanguarda (tá?), suas letras são especiais e precisam muito serem levadas em consideração, por que têm historinhas ali.

Neste disco, todos os integrantes da banda colaboraram com músicas que são capazes de traduzir a experiência de ser jovem atualmente, com seu caos e suas dúvidas. E tentar se divertir no meio de tudo isso.

Assim às vésperas da retomada de shows de Sophia e sua trupe de meninos talentosos, nós voltamos ao álbum recém-lançado (quatro Ps na Popload) para deixar que eles expliquem, faixa a faixa, suas músicas.

“Música do Esquecimento” é um disco debochado, ao mesmo tempo que consegue ser intelectual, nessa linha de nobres atuantes da CENA como Ana Frango Elétrico, por exemplo. 

O disco é uma clara evolução da banda, desde as composições aos arranjos e à variedade de elementos sonoros que compõem cada faixa. E muito disso se dá pela decisão de trazer o pernambucano Vitor Araújo, mais conhecido por seus trabalhos como compositor e pianista, para produzir o disco. 

O “Música do Esquecimento” traz composições de todos os membros da banda, diferente do primeiro disco só com canções de Sophia. Para a cantora, esse movimento vem com o foco em reforçar que eles todos são uma banda.

“É importante dizer que o primeiro [disco] foi um acontecimento. A Sophia tinha um show marcado e chamou a gente [Uma Enorme Perda de Tempo] para tocar com ela. Ficou legal e viramos uma banda. Este disco é um trabalho que a gente fez nascer como banda, com nós quatro.”, disse o baixista Téo Serson.

Vamos deixar então que eles contem essa história: 

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* Faixa-a-faixa de “Música de Esquecimento”, com Sophia Chablau e uma Enorme Perda de Tempo

1. Minha Mãe É Perfeita

Com seu som bem punk, a decisão de começar o disco com essa faixa vem do fato de que “tem uma certa guinada das bandas de rock de se amansar, vai ficando mais mansinho e esse aqui é um grande pé na porta. A gente também tem que saber afastar quem não quer. Ou você está preparado ou não está pro rock n’roll. [risos]” 

E para quem acha que a homenagem de Sophia na letra é para sua “mãe bonita”, ela fala que a canção é na verdade para a mãe do Téo Serson. “A verdade é que eu fiz pro Téo [risos], porque é sempre um papo que rolava entre nós.”

2. Quem Vai Apagar a Luz (Part. Negro Leo)

Esta é mais uma das composições em que Sophia Chablau externaliza perguntas que ninguém faz, mas quando ouvimos dá uma curiosidade de saber a resposta. Sobre esse estilo de composição, Sophia nos explicou seu processo: “Eu tenho uma energia caótica em certos dias da minha vida que possibilitam esse tipo de composição”.

Se a primeira faixa foi para a mãe do amigo, esta é para sua própria mãe, que gosta de contar coisas. No dia em que o calor baixou sobre Sophia, sua mãe tinha quebrado um copo e estava lá contando os cacos. “Ela falou ‘Olha, 16 cacos de vidro'”. E desceu o calor. E comecei a pensar na minha mãe e sobre as novas famílias, e pensei no homem pelado no MAM, porque tinha o homem nu lá na época, e comecei a pensar no que vai nascer desse homem e a família [tradicional] está numa decadência danada há anos. E minha mãe contando os cacos do sol, porque o sol explodiu.”

Para a banda, “essa música é importantíssima no disco, já que ‘Minha Mãe’ é caótica e esta já passa algum conteúdo, alguma informação do que queremos falar com o disco. E é legal ter o [Negro] Leo porque é meio que um “vencemos”. Um “chegamos onde queremos chegar”. No primeiro disco, “Deus Lindo” é uma composição que a gente fez pro Negro Leo, uma homenagem a ele. Mas chegamos, o Deus Lindo veio cantar com a gente”, completou Sophia. 

3. Segredo

A ótima “Segredo” já é um hit e nós já falamos sobre ela no lançamento. Um dos pontos que se destacou após lançada foi a temática LGBTQIAPN+, que para Sophia tem uma “parada louca dessa música é que ela tem essa temática LGBT e eu acho que isso é interessante, porque todas as minhas músicas são gays. Só que neste disco eu tive uma liberdade maior comigo mesma, de processos meus também, e em várias músicas o tema de gênero, o tema de sexualidade aparece. E foi uma coisa de certa maturidade. E essa música é muito triste, tristíssima, mas também tem uma certa, não uma exaltação dessa situação de merda, mas uma certa subversão. É meio que subverter a lógica da tristeza. Ela é triste, porque narra uma situação triste, mas, e eu odeio essa palavra, ela é empoderada nesse sentido”. 

4. Embaraço Total

“Embaraço Total” é uma faixa sobre desencontros do amor, com uma transição bacana da voz do Vicente Tassara, guitarrista da banda, para a de Sophia. Vicente fala: “Eu sempre tive uma crise com ela, continuo tendo, porque eu acho que tenho uma tendência a usar palavras demais”. 

É quase como se a Sophia usasse palavras de menos e o Vicente palavras demais, e tudo bem. Isso gera um equilíbrio na banda. 

Apesar das crises, para Vicente a “canção de amor quando ela vem você não pode bloquear, tem que aceitar e depois não pode mudar porque o contexto já é outro. Se você for tentar intelectualizar o que aconteceu, não tem muito o que fazer. E, no fundo, ela tem a ver com isso […] É um pouco se aceitar. E eu estou tentando me aceitar. E é por isso que ela se chama assim”. 

5. Qualquer Canção

Em oposição à faixa anterior com sua verborragia, “Qualquer Canção” tem uma simplicidade que pega no fundo da alma.

“Essa música é realmente incrível. É tão sucinta de um jeito tão impressionante. E a parte dos arranjos de cordas fez ela crescer ainda mais […] tem muito a ver com o Vitor. Essa no caso realmente é a primeira que tem o lado do arranjo. Tem muito a cara do Vitor Araújo”, disse Vicente.

“Quando eu estava falando com o Vitor sobre arranjo, tem uma música que eu mostrei para ele que, para mim, passava tudo o que eu queria dizer”, acrescenta Sophia. A música é “Pure Imagination”, do Gene Wilder, que faz parte da trilha sonora da primeira versão de “A Fantástica Fábrica de Chocolate”. E, se você ouvir “Qualquer Canção” com cuidado, Vitor citou a música na melodia de seu glockenspiel.

Em termos de sequência do disco, “essa música é o ponto de virada assim. O começo tem essa intensidade muito grande, são três porradas, a cada canção nós entramos nesse buraco do disco,” completa Vicente. 

6. As Coisas Que Não Te Ensinam na Faculdade de Filosofia

Esta música tomou forma na pandemia, quando Vicente não queria fazer um trabalho da faculdade. “A melodia veio quase como a vinheta de ‘Friends’. Era essa imagem que eu tinha na minha cabeça, como se minha vida fosse um sitcom”, diz ele.

“Eu tenho a impressão de que muitas vezes, em trabalhos criativos, você faz uma coisa pensando em algo e ela vai lá e te diz outra coisa. É uma canção também sobre assumir esse sonho de ser músico sendo estudante de filosofia. O o título também reforça isso”, diz Téo em seguida. Ele também fez faculdade de filosofia. 

7. Música do Esquecimento

Téo se propôs a falar da faixa que dá título ao disco e Sophia rapidamente o aconselhou: “Fala da música”. Ao que ele respondeu: “Vou falar da música, chega de tanta filosofia”.

Mas talvez seja impossível fugir da filosofia, porque “Música do Esquecimento” vem de um texto do Nietzsche e foi o nome da primeira iteração da Uma Enorme Perda de Tempo, antes da Sophia.

Para Téo, a música não tem tanta história nem tanto conteúdo. “Mas ela fala sobre esse momento em que a banda nasceu. E foi escolhida para ser o nome do disco porque fala sobre as múltiplas camadas e sobre as formas de entender o mundo que perpassam nossa banda.”

De uma forma engraçada, enquanto Téo vê a canção de um ponto de vista racional e filosófico, Sophia traz uma visão poética: “A música não te dá pistas, mas eu acho ela extremamente romântica. O momento em que você solta um ‘esqueço o mundo, para não lembrar nunca mais de mim’ é muito intenso. Por mais que seja uma música muito cabeçuda e a gente é muito cabeçudo, é uma música de amor em algum lugar, ela é visceral”. 

No fim, a música de fato representa as muitas camadas de Sophia Chablau e uma Enorme Perda de Tempo, da filosofia ao calor do amor. 

8. Último Sexo

Nesta faixa, saímos da filosofia e vamos para o mundo real. Temos uma inversão de papéis entre vocalista e baterista, e acabou que essa troca também se aplica às percepções sobre seu significado. 

Para o compositor da faixa, Theo Cecato, “a música é uma das menos sinceras do disco num certo sentido. É uma música transuda, para fazer um charme que não tem”. 

Sophia não ficou muito satisfeita com a resposta do colega e acrescentou: “Levo essa música muito a sério, por mais que ela seja uma piada. Tem um caminho numa experiência como compositora mesmo […] Fazemos a música num momento, gravamos a música num momento e quando cantamos a música ela toma uma outra dimensão sabe? Muitas músicas vêm de uma prática irônica, mas quando você canta a pessoa não vai escutar a piada, a pessoa escuta de fato o que bate de verdade nela. E ela é uma música muito de verdade para mim, por mais que ela não seja uma música em que o Theo estivesse sentindo isso exatamente naquele momento”.

9. Neurose

Mais um fluxo de consciência, mais um calor de Sophia Chablau, que justifica assim: “Fiz a música porque eu acho que a gente passa muito tempo tentando falar coisas, não tem muito o que dizer e fica tentando falar. E às vezes palavras só nos atrapalham. Vai viver sua vida e não enche o saco. Essa é a música. E ela é o máximo que eu consigo chegar na vida, porque eu totalmente sou a pessoa que às vezes fica viajando na maionese. É a música mais raivosa que eu já escrevi na vida”.  

“A música antineurótica no fundo.”, completou Téo. Vicente trouxe um pouco da visão do arranjo, que para ele é muito a cara da banda. “Tipo ‘Pop Cabecinha’, do primeiro disco. É a música mais ‘nós’. É um arranjo que é muito SCUEPDT. Nessa energia meio neurótica e muito prolixa, nós achamos um jeito muito nosso de fazer a parada.”

10. Beijar Morder Trepar

A décima faixa é rápida, curta e sobre algo que ninguém imaginaria. Ainda bem que perguntamos ao Vicente Tassara sobre sua inspiração para a música. 

“O Theo falou que ‘Último Sexo’ é uma música transuda. E ssa é uma música bem virjona. Se eu falar que eu escrevi ela inspirada em Santo Agostinho ninguém vai acreditar, mas no fundo eu me lembro de ler ‘Confissões [de Santo Agostinho]’ e ficar muito impressionado com o jeito que ele fala sobre Deus. Tem alguns momentos em que ele fala dos grilhões e sobre desejo, fiquei muito impressionado.”

Tal como em “Embaraço Total”, Vicente ficou hesitante em soltar esta “Beijar Morder Trepar” no mundo. “No sentido de construção é uma que eu me orgulho. Só que eu fiquei com medo de ela ser interpretada como uma música de autoviolência. Por isso eu dei esse título tão tarado. Acho que ele suaviza a energia de ‘se machucar’ com ‘se machucar com outra pessoa’.”

11. No Princípio Era o Verbo

Se algumas músicas de Sophia são calores, esta é o oposto, para a artista. “É uma música milimetricamente pensada, que quer dizer uma coisa importante.” Para traduzir essa importância, a banda olhou para o cinema. “O final quando tem esse momento mais caótico é para soar como se tivesse uma câmera gravando uma situação e em alguns momentos ela se direciona para estar em lugares mais altos, para dar uma proporção maior.”

É uma das músicas mais únicas do disco, para Vicente. “O approach do Vitor foi diferente do das canções anteriores. As viagens instrumentais são mais por timbre, umas coisas ambientes que ele [Vitor] ficou no piano tocando. Tem uma cara bem Radiohead.” 

Mas, quando perguntamos se essa seria uma nova fase para a banda, Sophia foi enfática: “É o fim de uma, na verdade. Para onde nós temos caminhado não é para esse lado”.

12. Baby Míssil

“Baby Míssil” é mais uma das letras de Sophia que o público já canta junto nos shows, apesar do fato de que a compositora acha a letra dela muito difícil: “Tem certas arriscadas poéticas, como começar a música com dialética”. 

Ela continua: “É uma música em que eu tentei ser romântica e fui pelo pior caminho possível [risos]. A faixa volta para uma coisa mais indie, resgata isso, mas de uma forma mais tranquila. O disco tem vários momentos de contradição interna: é algo valioso da nossa banda. E depois de uma “No Princípio Era o Verbo” é importante nós mostrarmos justamente que a última faixa não é nosso próximo passo”. 

“Essa faixa também tem um papel muito importante. Esse “segundo lado” do disco tem umas viagens esquisitas, então é uma última retomada, uma música em banda, nós quatro tocando na sala. Religa o fio condutor da banda antes de descambar de vez”, pontuou Téo Serson. 

13. Time to Say Goodnight (part. Vitor Araújo)

E, para quase encerrar o disco, uma das canções mais surpreendentes de “Música do Esquecimento”. É considerada pela banda como a última música “MÚSICA” do disco, já que eles definem a próxima como “uma zoeira final”.

Segundo a banda, o momento de gravação desta canção que “fecharia” o álbum foi mais do que especial: “A faixa final é o primeiro take, na fita ainda, que é uma coisa mágica. Tudo ao vivo”, compartilhou Vicente.

Foi tão emocionante que “no final, na sala de pilotagem, todo mundo começou a aplaudir de emoção, só que o microfone captou. No take você ouvia, por isso que a música é cortada no fim”, explicou Vicente.

Finalizar o disco com a frase “O que foi que aconteceu com a gente?” foi muito importante para Sophia: “Essa música acaba o disco de um jeito muito mágico. É algo que todo mundo já quis dizer. E, quando o Vicente fala isso na letra, é muito lindo. É um ótimo fechamento, e tem muito a ver com as músicas todas do Vicente. As canções dele têm uma linearidade. As minhas têm outra. E a gente se encontra neste final de uma forma muito bonita.”

14 Deus Tesão

Sophia Chablau e Deus, um epílogo. 

De forma inusitada, a banda tinha algo a dizer após encerrar o disco (com “Time to Say Goodbye”, acima) e trouxe uma gravação mais espontânea como epílogo meeesmo para o álbum, como um samba num bar, que na realidade é a casa de Sophia.

A faixa é referencial. Uma continuação de “Deus Lindo”, do primeiro disco da banda. Para Sophia, o final é a retomada de Deus. “Deus Tesão” é uma música que fala muito sobre desejo e vontade de uma forma muito real, faz uma volta grande para dizer o que quer dizer. […] É uma música sexy e eu acho que sensualizar com Deus é uma coisa muito boa que a gente faz.”

Para Téo, essa escolha fez sentido. “No fundo, em termos de gêneros musicais, nós equilibramos muito entre certos polos que vão de um rock a uma certa MPB, mas nunca tocamos realmente um rock ou uma MPB, realmente. Em “Deus Lindo” nos propusemos a tocar um rock mesmo, aquele rock de garagem. Colocamos todos os amplificadores na sala, primeiro take, play e bora nessa. E “Deus Tesão” também tem isso, fomos fazer realmente um samba, então teve que ser algo descontraído, um samba de fundo de quintal, festa e amigos curtindo. Essas são as únicas músicas que realmente aderimos aos gêneros das músicas, o que amarra as duas músicas.”

Ao final, temos Yara Ktaish, uma atriz síria amiga da banda, recitando a música em árabe, pois “no Alcorão, árabe é a língua de Deus”, pontua Vicente. 

É um fechamento intenso para um ótimo disco que mostra o amadurecimento e evolução da Sophia Chablau e uma Enorme Perda de Tempo. 

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