No primeiro dia deste mês, foi lançado “Muda”, o EP de estreia de Janine, multiartista carioca que junta com pesos iguais os talentos de cantora, guitarrista, atriz e artista visual. Aqui vale a menção que o “artista visual” chega até a definir os andamentos sonoros para a música da cantora e guitarrista. Ou vice-versa.
De imediato, as canções de “Muda” transportam o ouvinte a um espaço de melancolia, que é bem determinado em razão do conjunto da obra: as melodias, as letras que cantam desencontros, o instrumental que se alterna entre bastante suave e, de repente, agressivo, como um grito feroz de alguém que há tanto tempo estivesse de fato muda.
Com timbre brilhante e agudo, a própria voz de Janine contribui para essa atmosfera onírica, que pode se parecer tanto com um sonho quanto com um pesadelo (olha o visual se revelando no som). E isso realça justamente a maior qualidade do trabalho da artista: a genuinidade.
* Em transformação
A identificação com as letras e as melodias de Janine são, de alguma maneira, bem mais instintivas do que racionalizadas: quem é que nunca se encontrou em um estado de transição após um período difícil da vida? Apesar da melancolia, que lembra uma mistura da saudosa banda Ventre com um pouco de Alice Phoebe Lou, as letras de “Muda” transparecem um estado de transformação. Em Uníssono, belíssima faixa do EP, a artista canta: “Entre nós nada uníssono/ Não vivemos da mesma sorte/ Apesar de você eu vou mudar”.
Em conversa com a Popload, a artista contou sobre seu processo de composição e gravação, que começou dos palcos para o estúdio: “Muitas dessas músicas eu fiz para o meu primeiro show, eu tinha só vários rascunhos e recebi um convite de show autoral. E eu falei: Eu não vou recusar esse convite, porque se eu recusar, já sei que não vou nunca começar. Então, escrevi várias músicas para poder ir para o ao vivo de cara. Eu quis muito fazer show atrás de show para amadurecer as músicas, sabe?”
* Não mais “muda”
A capa do EP é simplesmente uma fotografia do rosto de Janine. Não há nada escrito, como muitas vezes costuma-se ver. O olhar da artista é disperso, parece ter uma certa timidez em encarar o outro. O rosto pintado remete a uma imagem de mímico ou palhaço. Ao mesmo tempo, as cores da imagem também chamam atenção, o azul brilhante do fundo, o branco da maquiagem, o vermelho da boca e o verde dos olhos. O visual aqui grita.
Segundo Janine, essa criação da capa de “Muda” (foto que abre este post) ocorreu de forma despretensiosa e natural, quando se deparou com o resultado de uma sessão de fotos e percebeu que, por acaso, com a ajuda da maquiagem branca, acabou encarnando sua personagem do teatro: a “Muda”.
“Ela é uma personagem que eu estou desenvolvendo e que não é algo fechado, ainda não sei para onde ela está indo. Vem comigo há uns anos e fala muito sobre esse lugar de silêncio estendido por tempo demais . E é angustiante esse momento de contraste, de decidir explodir, decidir sinceridade, decidir expressar. Então, o nome do EP veio muito tardiamente também, eu fiquei até o último momento pensando o que seria, até quando eu vi que aquela foto saiu daquele jeito.”
“Muda” foi gravado em home studio entre 2022 e 2024 e tem quatro canções inéditas. O EP foi produzido por Bauer Marín (baixo) em conjunto com Janine. Além da dupla, o trabalho conta com Arthur Xavier (bateria) e participações especiais de Paulo Emmery (baixo) e Marcelo Callado (bateria).
Sem se descolar da geografia, estamos no Rio de Janeiro, importante lembrar. E o Rio, de tantas cenas independentes hoje em dia, encontra espaço também na linda “melancolia visual” em forma de disco de Janine, o que é importante desde já a CENA perceber.
Nascida e criada no Rio de Janeiro, Janine vem se unindo a outros artistas locais bastante interessantes, desde a própria turma do EP, com Paulo Emmery, que já trabalhou com a Letrux e toca com o Jards Macalé, à nova dupla em ascensão do Mundo Video, com quem artista tem a parceria “Tonel”.