CENA – Ana Frango Elétrico, o disco novo. Com “Gato”, artista mostra que conduz a música brasileira como quer. E não o contrário

Quando você ouvir este disco, pode ser difícil conciliar o fato de que “Me Chama de Gato Que Eu Sou Sua” é o terceiro álbum na carreira da cantora, compositora e produtora musical carioca Ana Frango Elétrico. E que ela tem apenas 25 anos. 

A maior parte das pessoas com 25 anos está entendendo seu lugar no mundo, errando e aprendendo. E isso não deixa de ser verdade no caso de Ana Frango Elétrico. A diferença é que a artista está usando seu tempo para desenvolver seus conhecimentos e colaborar com outros artistas em ascensão na CENA, como as bandas Bala Desejo, com quem ganhou o Grammy Latino pela co-produção do álbum “Sim, Sim, Sim”, e Sophia Chablau e uma Enorme Perda de Tempo, para quem fez a pós-produção do segundo disco da banda paulistana, “Música do Esquecimento”, com Vitor Araújo. 

Com os seus próprios lançamentos de “Mormaço Queima” (2018) e “Little Electric Chicken Heart (LECH)” (2019), Ana Frango Elétrico se destacou rapidamente tanto na CENA nacional quanto internacionalmente, chamando atenção de críticos como o bastante frequentado youtuber indie Anthony Fantano.

Os dois primeiros discos de sua carreira já sedimentaram uma marca registrada para sua música, com suas letras que lembram um quase realismo fantástico latino acompanhadas por arranjos de timbres retrôs com processamentos futuristas. 

Para seu terceiro disco, capa acima, que vem após um período de quatro anos de trabalho com o LECH, Ana Frango Elétrico convocou um forte time de colaboradores, como Dora Morelenbaum, que fez sua estréia como arranjadora na faixa “Insista em Mim”, Alberto Continentino no baixo e o baterista Sérgio Machado, para mencionar apenas alguns. 

“Comecei esse álbum em 2021, com intuito de demonstrar sonoramente entendimentos e sentimentos sobre um amor queer, de me expor subjetivamente. O sentimento foi o motor, mas este é um álbum sobre produção musical.” disse Ana Frango Elétrico sobre seu novo disco. 

A sociedade heteronormativa e até a língua portuguesa são elementos complexos para a pessoa queer e não binária, principalmente com suas lógicas presas à definição feminina ou masculina de gênero. Mas, em vez de transformar isso num amargor, Ana Frango Elétrico explorou temas de romance de forma sutil, escondendo os prazeres e as dores do amor em suas letras fantásticas e arranjos primorosos quase que num balanço constante, que unem referências e processamentos de diferentes décadas. 

Começamos o disco com o primeiro single “Electric Fish”, uma música cheia de grooves pulsantes, timbres oitentistas e que surpreendeu a muitos na escolha do inglês para as letras. Mas o inglês faz todo sentido abrir esta nova fase, em que Ana Frango Elétrico se apresenta com mais certeza de quem é como pessoa, e a língua estrangeira lhe dá mais abertura para se comunicar sem amarras de gênero.  

É um movimento certeiro que abraça a internacionalização de seu trabalho, indo atrás de um novo público que está mais do que pronta para conquistar. Ana Frango Elétrico embarca para sua primeira turnê pela Europa no próximo mês. 

Na única faixa do disco com participação de outro artista temos “Dela”, na qual rola uma brincadeira meio trava-línguas com gêneros e a ótima participação do rapper Joca, cujas linhas complementam o estilo lírico de Ana Frango Elétrico. Seguindo nessa linha das faixas mais animadas, destacamos “Coisa Maluca” e “Debaixo do Pano”, esta segunda uma composição da amiga Sophia Chablau, de quase mesma sintonia musical, digamos. Essas músicas Ana Frango Elétrico adicionou ao seu repertório ao vivo e depois incorporou no disco. 

Ambas são faixas que remetem aos trabalhos anteriores da artista carioca e traçam uma ponte que conecta sua discografia, mostrando a evolução de Ana Frango Elétrico em um estilo de faixa que lhe deu destaque no início de sua carreira. 

Em “Nuvem Vermelha” temos um dos destaques do disco, com seu arranjo de cordas suntuoso em um contraste drástico às letras sucintas, que entregam o estilo da produtora carioca em uma versão em que os elementos eletrônicos são sutis, com pegada mais anos 70. 

Aqui podemos traçar um paralelo com o segundo single do disco, “Insista em Mim”. São faixas românticas em que o eu lírico se apresenta de uma forma vulnerável, que é refletida no arranjo da música. As músicas destacam a sensibilidade de Ana Frango Elétrico como produtora.

O disco como um todo se traduz quase como a visão mais íntima da personalidade de Ana Frango Elétrico que já tivemos. Com as músicas de amor, com os receios que ela esconde por trás de arranjos animados, como na faixa “Boy of Stranger Things”. E as situações de seu cotidiano, como o cenário pedir só mais um cigarro na música “Camelo Azul”. 

Existe um mood singular que Ana Frango Elétrico atinge com suas canções quase como uma viagem no tempo que une passado, presente e futuro. Você tem a sensação de estar ouvindo uma história, de estar vivendo um momento ou até de estar sonhando. E tem sempre aquele instrumental que parece algo que você já ouviu mil vezes e nunca tinha ouvido antes. Este é um disco em que Ana Frango Elétrico inova novamente e traz um frescor muito necessário para a CENA, principalmente porque é importante para fazer a roda msuical girar gostoso. 

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* As fotos de Ana Frango Elétrico que ilustram este post (incluindo a home) são de Hick Duarte.

** “Me Chama de Gato Que Eu Sou Sua” é um lançamento do espertíssimo selo Risco.

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