O que faz uma banda voltar depois de 15 anos de hiato? Apesar do sucesso repentino com a geração Z, após a música-título do álbum “Tudo Que Eu Sempre Sonhei”, de 2009, viralizar forte no TikTok, a banda veterana paulistana Pullovers anunciou recentemente seu retorno pela pura vontade de fazer um som.
Com os filhos crescidos, as carreiras tradicionais em curso e graças a uma nova cena de música independente, o Pullovers pode fazer música com calma, finalmente.
Conversamos com Luiz Venâncio, vocalista, guitarrista e compositor do sexteto (na foto, o segundo da segunda fileira), sobre o novo álbum da banda e como suas músicas ainda refletem questões difíceis da vida adulta. E a maior dessas questões já vem logo no título do disco: “Vida Vale a Pena?”
“Eu acho que o único dinheiro na vida que eu ganhei mesmo com música foi quando o Pullovers teve uma faixa, “O Amor Verdadeiro Não Tem Vista pro Mar”, na novela. Peguei o dinheiro, torrei, viajei pra Europa, acabou”, disse Luiz à Popload.
Em 2009, quando a CENA ainda era muito mais incipiente, ganhar dinheiro com uma banda independente era uma tarefa muito difícil. E o disco “Tudo Que Eu Sempre Sonhei”, o de estreia da banda, foi também seu único.
Logo os integrantes do Pullovers se viram com 30 anos e sem perspectivas. “Aí eu fiz todo um processo, de voltar pra universidade, para estudar. Acabei virando professor de português de colégio,” contou o vocalista.
“Depois veio o casamento, filho, aquela coisa toda. E, uando o filho já estava com certa idade e tudo mais, eu comecei a ter vontade de tocar um pouco também, queria compor coisa nova, motivo também para poder reencontrar os amigos, sabe?” acrescentou Luiz. Afinal, a banda não acabou porque eles brigaram, mas porque a vida aconteceu.
E, falando nisso, como acontece na vida, junto com a vontade de se reencontrar veio a descoberta dos Pullovers pela geração Z. Deu liga. Formou, literalmente.
“Teve esse fenômeno de que, por acaso, essa música “Tudo Que Eu Sempre Sonhei” começou a dialogar muito com uma molecada, tipo, de 14, 15 anos, assim. Então, começou um monte de amigo meu falar ‘Ah, meu filho vem me mostrar uma música aqui e eu vi que era sua’.”
Caso você seja usuário do TikTok, já deve ter visto a trend ao som do refrão da música, “Não tem carro me esperando/ Não tem mesa reservada/ Só uma piada sem graça de português […]”, que hoje acumula mais de 8 milhões de streams no Spotify.
Quando perguntamos se ele desconfia por que essa música ter viralizado depois de mais de uma década, Luiz reflete sobre os tempos de hoje e até o que ele vivencia com seus alunos.
“Tem um pouco a ver mesmo com o espírito da época, assim, né? Tanto com a exclusão de certos grupos e tudo mais, o bullying na escola, a não adequação, quanto acho que com a violência mesmo. E aí, não sei, adolescente e até pré-adolescente começaram a se identificar.”
Em seu primeiro disco após um hiato de 15 anos, Luiz Venâncio precisava falar sobre os assuntos que deixou guardados por tanto tempo e que foram muito influenciados pela carreira que escolheu seguir quando pausou a banda.
“Eu nunca tive muito medo desse negócio de gatilho. Porque eu acho que, às vezes, também, quando você fica muito com medo, você acaba se auto-censurando demais”, comentou.
Foi enfrentando os assuntos difíceis de frente que Luiz compôs as 10 faixas que formam o novo disco dos Pullovers. E já na primeira faixa temos a resposta: a vida vale a pena. Seguindo na audição, na terceira faixa do álbum vem um dos assuntos mais complicados da vida, que é a morte. Ou, maaaais complicado ainda, o suicídio. É a faixa que vai direto ao ponto logo no título: “Não Se Mate”. Ela tem uma parte II encerrando o “Vida Vale a Pena?”.
“Porque acho que convivo muito com o adolescente, eu acabo vendo um pouco das angústias que eles vivem, sabe? Essas dúvidas existenciais e tudo mais. ‘Não Se Mate’ é meio baseada numa obra literária, “O Mito de Sísifo”, do [escritor e filósofo francês Albert] Camus. E ele começa falando que a única questão importante na vida é o suicídio. […] Não é uma perspectiva religiosa, muito pelo contrário”, explicou Luiz sobre a terceira faixa do disco, cuja parte 2 encerra o trabalho.
Os temas de suicídio e morte são recorrentes, mas para Luiz foi importante tratar sobre esses assuntos porque “por mais que se tente evitar qualquer coisa que possa soar como uma apologia ao suicídio, alguma coisa assim, é um tema que está tão presente que, se ele não for falado, vai se tornando tabu também”.
“Parece um disco muito deprê, né? Espero que as pessoas não achem”, complementou Luiz.
De fato, para além desses assuntos citados, o disco ainda fala sobre outros tópicos da vida adulta, como o amor entre pais e filhos. M mas acaba fugindo de temas mais recorrentes na juventude, como o amor romântico.
E isso foi algo que o próprio compositor salientou para nós, “Você percebeu uma coisa curiosa? Que não tem música de amor? Quando a gente viu, pensamos, será que é uma coisa da idade, sabe? Os conflitos e os assuntos vão mudando.”
Naturalmente, as pessoas e suas prioridades mudam muito entre seus 30 e seus 40 anos. E essas mudanças de vida também afetaram a forma como a banda gravou seu novo disco, depois desse tempo todo.
“O processo de produção do álbum foi muito diferente do primeiro, porque no primeiro a gente ensaiou muito, decidiu tudo coletivamente num longo espaço de tempo, e depois entrou no estúdio e gravou rápido. Nesse, na verdade, muitas coisas a gente foi criando dentro do estúdio, porque esse disco teve a possibilidade de fazer assim”, explicou Luiz.
Mesmo com essas mudanças de possibilidades e mercado, para Venâncio as expectativas estão contidas.
“Não estão no que a gente vai conseguir com o público, ou com o retorno, ou com repercussão, sabe? Porque não dá para saber, né? Pode ser que, sei lá, três pessoas ouçam o disco, pode ser que mais pessoas ouçam. Pode ser que ninguém ouça agora e comece a ouvir daqui a dez anos, como aconteceu com o outro.”
No final, a vontade de fazer música que lide com esses temas difíceis da vida é a grande motivação dos Pullovers para lançar seu primeiro disco em 15 anos. E o produto final segue nessa linha de indie-pop rock onde eles começaram lá no início dos anos 2000, para produzir um conjunto de músicas que deixam claro que vale a pena sim viver a vida e ver no que vai dar.
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* As fotos do Pullovers usadas para este post são de Vitor Bossa.