A POPLOAD OUVIU – Sophia Chablau escancara as doçuras de descobrir a vida adulta (e alguns azedumes também) 

Por Pedro Antunes

Lá pelas tantas, no novo álbum de Sophia Chablau e uma Enorme Perda de Tempo, lançado nesta madrugada, uma bossinha abre caminho e introduz “As coisas que não te ensinam na faculdade de filosofia”, com desconcertantes flautas e metalofone. 

“O que fizemos pra chegar aqui?”, cantam adoravelmente a própria Sophia Chablau e o também guitarrista Vicente Tassara, autor da canção. “E quem nós vamos enganar estudando a Marilena Chauí?” 

São questionamentos válidos – que a grande filósofa Marilena Chauí me perdoe.

A essa altura do disco (capa acima), quando chega ao fim a sexta música e passamos a ouvir a vagarosa e reflexiva música-título do álbum, “Música do Esquecimento”, o nome do banda já soa como uma jocosidade autoirônica. Perda de tempo coisa alguma! 

Com 14 músicas, em diferentes ritmos, frequências, texturas e ternuras, “Música do Esquecimento” se transforma em um retrato do descobrir da vida adulta. Do melhor e do pior dela. 

Principalmente porque é ali, neste instante, que o mundo se desenrola de verdade (cuja idade para o ocorrido pode variar conforme o contexto social, econômico etc.). É quando algumas primeiras inocências se vão e outras teimam em ficar um pouco mais.

Aproveite-as, Chablaus, porque uma vez que todas as inocências forem embora, elas não voltam mais e o mundo tende a ficar cinzento, ranzinza e aborrecido. 

Neste disco, a banda se multiplica entre vozes e autores. Além dos já citados Sophia e Vicente, que protagonizam grande parte das composições, o baixista Téo Serson e o baixista Theo Cecato assinam, respectivamente, “Música do Esquecimento” e “Último Sexo”. 

Com essas novas vozes e autorias, a banda encontra uma inédita harmonia imprudentemente colorida e sem ultraperfeições herméticas, para transformar em canções cada uma dessas descobertas: tesões (vários), aflições (algumas, não muitas, por sorte) e desilusões (poucas, mas brutais). 

É um salto e tanto de pluralidade, experimentalismo e maturidade desde a estreia, quando Sophia Chablau e uma Enorme Perda de Tempo surgiu com um disco de estreia conciso e atraente, antecedido do single shoegaze “Idas e Vindas do Amor”. 

Tão logo ganharam uma base de fãs interessados em sacar quais tipos de ironia poderiam surgir de uma banda com um nome como este. E é Interessante, justamente, a relação com esses fãs. O vídeo de “O Segredo”, o single deste álbum, lançado antes do trabalho, é um exemplo raro disso. A banda convocou a turma para um rolê surpresa e, dele, produziu o vídeo abaixo. 

Note como a turma canta com vontade um refrão só ouvido em shows e em versões ao vivo, ao longo das apresentações da banda.

 “Mas se você quiser, eu viro um segredo seu”, declama Sophia Chablau, cuja voz está cada vez melhor e confortável, em um verso de tamanha devoção, simplicidade e plasticidade. 

Sophia Chablau e uma Enorme Perda de Tempo se deixa levar por um lado sensorial, sem perder a habilidade pop. Produzido pelo também pianista Vitor Araújo, “Música de Esquecimento” usa cordas, piano e outros barulhinhos de glockenspiel, para criar texturas e profundidade. A nova joia indie Ana Frango Elétrico atuou na pós-produção do trabalho. 

Se “Minha Mãe É Perfeita”, primeira do disco, inicia-se com uma interrogação ruidosa, a música termina com a primeira das tantas autorreflexões extra-sinceras de Chablau (tudo isso em 1 minuto e 30 segundos). 

Com participação de Negro Leo, “Quem Vai Apagar a Luz” conecta o grupo a um movimento musical mais experimental, com sopros e guitarras com distorções no talo. 

Você encontrará desolação, como em “Embaraço Total” (“De tanto fugir desses olhos morenos, brigar por telefonemas”) e “Último Sexo”, com toda aquela intensidade dos primeiros pés-na-bunda em bundas ainda inexperientes diante de botinadas figurativas. 

“Qualquer Canção” é outro espetáculo a parte, dizendo muito mesmo se recusando a dizer, com uma vagarosidade que lembra “Qualquer Bobagem”, hino d’Os Mutantes, de versos propositalmente balbuciados por um Arnaldo Baptista apaixonado. 

 “No Princípio Era o Verbo”, “Baby Missil” e o chorinho “Deus Tesão” estão em um imagético lado B do disco, cuja protagonista é “Time to say goodnight”, com participação de Vitor Araújo no piano. 

Para a turma mais perto dos 40 anos, o gostinho é de saudade de um tempo que passou. Para quem está entre seus 20 e 30 e poucos anos, Sophia Chablau e companhia cantam espelhos dos seus cotidianos. 

Para a galera mais jovem, a emoção brota da vontade de viver essa efervescência, tal qual adolescentes quando The Strokes surgiu em 2001 cantando sobre “noites passadas”.

É esta intensidade pela vida que torna “Música do Esquecimento” um álbum revigorante, qualquer que seja a faixa etária ou o tema da aula de filosofia – seja de Jean-Paul Sartre, de Albert Camus ou de qualquer outro, o existencialismo de Sophia Chablau e uma Enorme Perda de Tempo foge de uma busca constante por sentido. Simplesmente é. 

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* A foto da banda usada na chamada da home da Popload é de Helena Ramos.

** Pedro Antunes está no X e no Instagram como @poantunes.

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