Vimos o último show de Garbage + L7 no Brasil: mulherada “big balls” trouxe os anos 90 de volta a Curitiba por uma noite

No último domingo, encerrou-se a insólita porém incrível turnê conjunta das bandas Garbage e L7 pelo Brasil, com um show na Ópera de Arame, em Curitiba, após passarem pelo Rio de Janeiro e São Paulo. E o show paranaense não poderia ser uma conclusão melhor. 

Começamos lembrando que ambas as bandas fizeram passagens recentes por Curitiba. O L7 tocou na cidade em 2023, e o Garbage fez uma curtíssima apresentação abrindo para o Foo Fighters no ano passado, na rebarba da programação do festival paulistano The Town daquele ano.

Mas ali, na Ópera de Arame, parecia o local e o momento perfeito para unir essas bandas que foram bem grandes nos anos 90, nas brumas da revolução roqueira da época, e cuja presença feminina é (ou foi) tão marcante e essencial para a música jovem dos tempos do grunge e seus efeitos musicais periféricos.

As californianas do L7 entregaram exatamente o esperado. Dezesseis músicas pesadas, ora aceleradas, ora arrastadas, cheias de guitarras distorcidas que faziam a estrutura da casa chacoalhar. O palco delas era simples, só com amplificadores e uma iluminação básica. É o punk / grunge / metal básico que dá muito certo, sempre.

Em um momento do show, a baixista Jennifer Finch reclamou dos roadies que foram (atrapalhadamente) arrumar o ventilador ao seu lado no palco. “Homens, né?”, ela disse, arrancando risos e aplausos da plateia que era, pelo menos, 50% feminina – coisa rara, digamos, em show de rock.

O Garbage, liderado pela icônica Shirley Manson (foto lá em cima), iniciou com a faixa “Queer”, de seu disco de estreia, e nem precisou se esforçar para ganhar o público. Foi a primeira vez que a banda se apresentou como atração principal na cidade, e dava para ver que os fãs ali eram fãs meeeesmo

A banda poderia tocar o que bem quisesse, e agradaria a todos. Mas é notável como conseguiram fazer um setlist tão bem equilibrado, maior que a soma de suas partes. Das 18 músicas, os verdadeiros “hits” são poucos, mas tudo foi executado com a mesma perfeição e atenção aos detalhes, de forma que nem as faixas menos conhecidas ou mais recentes abaixavam a energia do show.

Se o palco do L7 era básico, o do Garbage, grupo formado no Wisconsin, era absolutamente minimalista. Não se via qualquer amplificador, cabo ou pedal – só a banda, os instrumentos e a iluminação elegante refletindo pelo chão. Nenhum telão era necessário, ainda mais na Ópera de Arame, onde todos os assentos oferecem uma boa vista do show.

O baterista Butch Vig (sim, o que produziu “Nevermind”, do Nirvana) e os guitarristas Duke Erikson e Steve Marker merecem todo o crédito do mundo por sua performance, mas é Shirley Manson que conduz a noite. Sem dúvida, é uma das melhores frontwomen da história do rock, se movendo por todo palco com seu vestido colorido e fluido, o olhar fixo na plateia, como uma leoa prestes a atacar. Sua voz deve beber de alguma fonte da juventude, pois cantou tudo com perfeição, do começo ao fim. Também vale mencionar a nova baixista do grupo, Nicole Fiorentino (ex-Smashing Pumpkins), que consegue ter presença mesmo no fundo do palco.

Os vários discursos de Manson nos intervalos entre músicas também serviram para unir a noite toda como uma apresentação só. Elogiou efusivamente as L7 (“Donita Parks é uma fodona”) e agradeceu à òtima banda de abertura, The Mönic, acrescentando que uma de suas vocalistas, Dani Buarque, tinha entrevistado Manson anos atrás, ocasião em que disse: “Quero fazer o que você faz”. E ali estavam, abrindo para o Garbage.

Em outro momento, Shirley defendeu a comunidade LGBT e criticou o governo atual dos EUA por focar tanto em atacar pessoas trans. Ao contrário do que acontece em um show do Roger Waters ou dos Titãs, ninguém vaiou.

Um fato curioso: em vários momentos da noite, Shirley Manson começava a rir sozinha enquanto cantava, às vezes até perdendo partes dos versos. O que estaria causando tamanho bom humor?

Perto do fim do show, a vocalista finalmente contou o que estava acontecendo: por conta da estrutura de assentos da Ópera de Arame, Manson disse que conseguia ver todos os rostos do público, uma característica bem incomum em casas de show. Quando ela via algum fã sorrindo, perdia a concentração e começava a rir. Essa combinação de espontaneidade e honestidade, em contraste à atitude “big balls” que ela mesma diz ter no palco, é mais um motivo para amarmos tanto Shirley Manson.

***
* As fotos usadas para este post são de Fernando Scoczynski.

MDE 1 – horizontal miolo página
Terreno Estranho – horizontal fixo Mark Lanegan