Outro que “sofreu” impacto dos problemas técnicos do finde, o Top 50 da CENA da semana PASSADA sai hoje, mas sai. E o resumo dele pode ser “cantar junto”. As novidades da CENA mergulham em refrões claros e gostosos de serem acompanhados, mas sem cair no fácil. Rico Dalasam vem mais pop em “Dilema”, mas não menos questionador. E mesmo o sossego de Mateus Fazeno Rock não abre mão do seu espírito combativo. Até a psicodelia de Walfredo em Busca da Simbiose chega sem medo de ser entendida.
“Eu me mostrando mais fácil, mais a fim de dialogar”, comentou Rico Dalasam no lançamento do single “Dilema”, primeiro sinal de uma nova fase em sua carreira. Com produção dos requisitados Pedro Lucas e Pedro Owl, parceiro de Rico em sons como “Estrangeiro” e “Outros Finais”, a faixa tem mesmo um ar mais pop, conectado com o funk, e um papo reto na letra. Porém, isso vem sem abrir mão das complexidades líricas e filosóficas de Rico, uma mão especial para falar a real sobre dores do coração. “Dilema” abre a dúvida sobre amar e depender de alguém que não ama a si próprio. E as consequências disso. “Como vou entrar em você se você se odeia?/ Como eu vou sair de você se esse amor me mantém?”. Eis a questão. O resto é dança.
Tim Maia já queria um sossego para si mesmo – e um quilo do bom. Mateus também quer sossego, mas lembra dos seus ao cantar seu “Melô do Sossego”. “Que vontade de lhe dar sossego”, é o mantra aqui. Uma lembrança a quem luta e se cansa das dificuldades, mas quer o melhor para a mãe, pai, irmãos, a turma da rua. Sossego aqui também não é só calmaria, é essa ciência de ter um norte quando tudo parece perdido ou sem sentido. Sossego é bússola. O novo álbum de Mateus chega em agosto. E pelo singles até aqui é preciso bater palmas para a produção acertada do próprio Mateus em companhia de Fernando Catatau e Rafael Ramos. Repara na bateria dessa música, por exemplo, que som foda eles tiraram.
Lou Alves, a mente principal por trás de Walfredo em Busca da Simbiose, segue sua procura. Estamos perto do terceiro álbum da banda. À primeira vista, o single “Iridescência” parece uma junção de frases quase desconexas, mas guarda seu segredo na beleza do conjunto, uma ode a enxergar beleza no efêmero, a beleza das bolhas de sabão. Ah, a refração, essa paixão dos psicodélicos. Tantos caminhos e luzes que levam a um bordão solar e simples de entender: “Viver Sem Medo”.
Quem ainda tem dúvidas sobre o rap nacional? Ouça Clara Lima. A rapper mineira entrega seu doutorado na arte de rimar em seu disco “As Ruas Sabem”, seu estudo mais complexo ao abrir diálogo com beatmakers de pegadas bem diferentes – Marabá, Coyote Beatz, Madre Beatz, Sartor, Teaga, entre outros. Tantas mentes em conjunto dão um ar plural ao álbum, o que oferece a Clara a chance de ser várias, do suave ao intenso, como pode ouvir na pancada de versos em “PHD”.
“Não é possíve!l” Este é o único comentário possível para a nova da Juvi, parte da versão delux do metanostálgico álbum “Hits Eletrônicos de Verão”. Sem mais.
“Eminência parda”, com “e” inicial, pode ser uma pessoa influente, um poderoso ser qualquer sem cargo oficial. Originalmente, pode ser também entendido como o(a) conselheiro(a) manipulador(a) de alguém com um cargo real, o braço-direto de um presidente, por exemplo. Numa leitura mais aberta da expressão, o que é o crime organizado, por exemplo, se não a eminência parda da realidade política brasileira? Emicida na faixa “Eminência Parda” extrapolou o significado da expressão ao cantar sobre sua própria influência, o poder do rapper em alterar os rumos da cultura (“Não sou convencido, sou convincente/ Aí, vê na rua o que as rima fizeram”). Aqui, Don L explode os significados ao trocar um ‘e’ pelo “i” e inventar um novo dito – uma letra muda o fim do filme. Iminência é o que está para acontecer. A iminência parda pode ser entendida como algo extraoficial que está por vir – uma revolução? O ‘pardo’ também tem seu sentido multiplicado. Se inicialmente veio emprestado da expressão original, agora pode se referir também à miscigenação brasileira. Cabe aos filhos da violência colonial qualquer mudança possível contra “os donos do estado que ainda são os filhos dos senhores de escravos”. Talvez tenha mais aí, certamente tem. A letra é também uma longa revisão biográfica do próprio Don, uma reavaliação de tudo que rimou até aqui (“Me fecharam portas/ Eu dobrei a aposta). Uma vez confrontado com uma questão de vestibular pedindo explicação sobre um verso seu, Don L afirmou que marcaria as quatro opções dadas – polissemia é mato na sua escrita. E ainda nem falamos da música em si. A base usa um sample quase na íntegra como refrão, mas não permite que essa vire a cama da música – o método mais comum ao se usar um corte longo. Aqui, o sample é uma faca afiada cortando o fluxo dos versos. O corte abrupto não pede atenção com um toque no ombro, pede a atenção que te exige swing para escapar de um ataque, da morte iminente.
“Amor”, o novo álbum da Lupe de Lupe (aguarde nossa resenha), tem um formato ousado. São quatro músicas, cada uma liderada por um integrante, quase todas na margem de dez minutos. Outra ética do disco: “Tudo foi gravado nos estúdios caseiros de cada pessoa”. Com esse limite posto, o espaço para a experimentação se torna infinito. Nesta “Vermelho (Seus Olhos Brilhanto Violentamente Sob os Meus)”, por exemplo, diferentes momentos se apresentam ao longo da faixa – canção, pausa abrupta de um sonho, uma intervenção (“A gente fez tudo que foi capaz”) e um desmanche sonoro (“Um dia aleatório a gente vai acordar e perceber/ Que já não lembra mais um do outro”). Ah, sim, se você reparou nas letras, amor aqui não é idílico ou imortal. Posto que é chama, o amor se apaga também. “Todo amor é feito pra acabar”, registra Vitor Brauer em “Se Nosso Nome Fosse um Verbo”, um fluxo de consciência sem métrica definida angustiante. Amor é fundamental, não fácil. Vale para o sentimento, vale para o disco.
Ausente nas plataformas de streaming esse tempo todo, um dos grandes álbuns de Tom Zé, “Estudando a Bossa” (2008) finalmente deu as caras, via Biscoito Fino. É desse período aquele vídeo clássico dele no Jô Soares explicando como a bossa nova desembocou em “Atoladinha”, um funk com seu metarrefrão, microtonal e plurissemiótico. Geral riu, na época, mas fazia todo o sentido. Visionário. João Gilberto deu no pancadão: é samba.
E, por falar em bossa e João, Joyce Moreno incluiu em seu novo álbum, “O Mar É Mulher”, essa parceria afinada com Jards Macalé. Os dois discípulos do João cantam o mestre ao seu modo. Aliás, Joyce segue honrando o aprendizado com seu violão sofisticado dando as caras por todo o disco, ouça a elegante faixa-título ou “Adeus, Amélia”, uma quase continuação de sua clássica “Feminina”. É tudo comandado por seu violão e um poderoso trio: Tutty Moreno na bateria e percussão, Hélio Alves no piano e Rodolfo Stroeter no baixo). Se o mar é mulher, a questão é amar.
Letrux celebra sua carreira na turnê “20 Anos Alternativa” ao mesmo tempo que recupera um acervo de hits perdidos da cena independente brasileira dos anos 2000 a 2010, um bocado de canções maravilhosas que poderiam ser muito mais conhecidas não fosse a crise do mercado fonográfico. Não fosse isso, muita gente até hoje não acreditaria na ladainha de que a música brasileira não tem novidades… Nessas, a cantora e compositora carioca se conecta com a nova geração ao soltar duas parcerias com a banda roqueira Nouvella, parte da cena de Santa Catarina e acostumada a cantar mais em inglês. Além da nossa escolha, saiu também “Dropar Teu Nome”. Letícia e a vocalista Yasmin Zoran compartilham um registro vocal meio parecido. Supercombinou.
11 – Romulo Fróes – “Mulher do Fim do Mundo” (6)
12 – Bersote – “Desceu Amargo” (7)
13 – Luedji Luna – “Bonita” (com Alaíde Costa e Kato Change) (8)
14 – Lau e Eu – “Coivara do Sono…” (9)
15 – Marrakesh – “Cão” (10)
16 – Joaquim – “Emboscada” (11)
17 – Alberto Continentino – “Cerne” (12)
18 – Zé Ibarra – “Segredo” (13)
19 – Carol Cavesso e Otis Trio – “Astra” (14)
20 – Jadsa – “Samba pra Juçara” (16)
21 – eliminadorzinho – “A Cidade É uma Selva” (18)
22 – Gab Ferreira – “Ponta da Língua” (20)
23 – Mateus Aleluia – “No Amor Não Mando” (21)
24 – Alaíde Costa – “Bandeira Branca” (com Amaro Freitas) (22)
25 – Antropoceno – “Queda do Céu” (23)
26 – Nego Joca – “Nada Igual” (24)
27 – Eduardo Manso – “FRB 20220610A” (26)
28 – clara bicho – “Meu Quarto” (27)
29 – Stefanie – “Fugir Não Adianta” (com Mahmundi) (28)
30 – Maré Tardia – “Ian Curtis” (29)
31 – Vera Fischer Era Clubber – “Lololove U” (31)
32 – Celacanto – “Quadros” (32)
33 – Josyara – “Eu Gosto Assim” (33)
34 – Terno Rei – “Peito” (34)
35 – Rachael Reis – “Jorge Ben” (35)
36 – Rael – “Onda (Citação A Onda) (com Mano Brown e Dom Filó) (36)
37 – Cajupitanga e Arthus Fochi – “Flamengo” (37)
38 – Djonga – “Demoro a Dormir” (com Milton Nascimento) (38)
39 – Jovens Ateus – “Mágoas – Dirty Mix + Slowed Reverb” (39)
40 – Danilo Moralles – “Fervo de Amor” (40)
41 – Ogoin & Linguini – “Vícios Que Eu Gosto” (41)
42 – Bufo Borealis – “Urca” (42)
43 – Terraplana – “Todo Dia” (43)
44 – Marina Melo – “Prometeu” (com Maurício Pereira) (44)
45 – Apeles – “Mandrião (Vida e Obra)” (45)
46 – ÀIYÉ e Juan De Vitrola – “De Nuevo Saudade” (46)
47 – Dadá Joãozinho – “As Coisas” (com Jadidi) (47)
48 – Gabriel Ventura – “Fogos” (48)
49 – Nyron Higor – “São Só Palavras” (49)
50 – BK – “Só Quero Ver” (50)
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* Entre parênteses está a colocação da música na semana anterior. Ou aviso de nova entrada no Top 50.
** Na vinheta do Top 50, o rapper Rico Dalasam.
*** Este ranking é pensado e editado por Lúcio Ribeiro e Vinícius Felix.