Top 50 da CENA – É 2023, mas João Gilberto vem em primeiro e Os Tincoãs em segundo. Iara Rennó fecha o pódio

Uma semana de João Gilberto e Tincoãs na nossa lista de lançamentos? Não estamos no anos 1970: é 2023, pode confiar. E é em 2023 que os principais inventores da música brasileira têm o que dizer de novo e de novo em luxuosos lançamentos de raridades. Explicamos melhor nos textinhos. Temos a melhor música do mundo, não vamos cansar de repetir.

Tinhorão, dos grandes críticos de música do Brasil, sacou que “Desafinado”, o clássico de Tom Jobim e Newton Mendonça, pegava emprestado por demais um pouco de “Violão Amigo”, samba escrito pela dupla Bide e Marçal nos anos 40. Ou seja, aquela bossa nova era nada mais que um samba recauchutado. Em 1998, João Gilberto, que sempre afirmou ser um cantor de samba, abre um espetáculo dedicado aos 40 anos da bossa nova com “Violão Amigo”, escancarando no arranjo que Tom e Newton encontraram ali sua inspiração desafinada. Pode ser coincidência, mas é como se João, que não era muito de falar, desse seu pitaco sobre quem inventou o que, reverenciando Bide e Marçal sem brigar com Tom e Newton. Falar desse show de 1998 que aconteceu no Sesc Vila Mariana só é possível em 2023 por conta de um resgate do próprio Sesc. O álbum, com essa apresentação de duas horas na íntegra e que sai no final do mês, mas já tem esse sambinha “Rei sem Coroa” a nossa disposição nas plataformas, é a primeira etapa de um projeto chamado “Relicário”, que promete editar mais gravações ao vivo de espetáculos realizados em unidades do Sesc a partir dos anos 1970. A fita de João Gilberto chegou a ser dada como perdida, mas foi recuperada e trabalhada com carinho. Pela qualidade absurda da gravação, já entra na fila dos grandes álbuns de João em sua longa discografia ao vivo (que conta com poucas edições oficiais com áudio impecável e dezenas de piratas com qualidade duvidosa). Quando o disco sair, a gente volta ao assunto com “Violão Amigo”. Por enquanto, viva João!!!

Ninguém chega aos pés dOs Tincoãs, inventores de um som poderoso inventor e catalisador do passado, presente e futuro da música popular brasileira em sua harmonia vocal única. A discografia do trio é curta, proporcionalmente inversa a sua influência. Um álbum nos anos 60, três nos 70 e um nos 80. Mas essa coleção vai aumentar. Gravado em 1983, “Canto Coral Afrobrasileiro” é um trabalho idealizado pelo radialista e produtor musical Adelzon Alves em parceria com Dadinho, Mateus e Badu, a formação do trio na época. São dez faixas onde a trinca se encontra com o coral dos Correios e Telégrafos. O projeto ficou engavetado quando os integrantes se mudaram para Angola. Cerca de 40 anos depois, Mateus Aleluia coloca para jogo essas gravações históricas. Ansiedade pelo material é forte.

“Orí Okàn”, novo álbum de Iara Rennó, é o irmão do álbum “Oriki”, que foi lançado ano passado. Em questão de assunto, dá continuidade a uma dedicada investigação pessoal de Iara sobre sua religião, o candomblé. Do yorubá, Orí Okàn pode ser entendido tanto como a junção da palavra cabeça com coração, que tanto conflitam, quanto como “destino do coração”. Não por acaso que a faixa que abre o álbum, em sutil construção de violão, piano Rhodes e viz, é canção que Serena Assumpção escreveu para Iemanjá, rainha das cabeças, em seu último álbum.

Tem gente que nem sonha, mas o capixaba Juliano Gauche tem acordado dentro dos próprios sonhos. E fez um disco nessa praia. “Tenho Acordado Dentro dos Sonhos” é seu quinto álbum e soa mesmo como tentativa de dar forma ao imaterial onírico, seja através de músicas bem lo-fi, seja nas letras fragmentadas, misteriosas. Como um bom sonho, não?

Minas e suas bandas dos anos 80/90. Se o Skank se despediu dos palcos, o Pato Fu foi menos radical na hora de celebrar seus 30 aninhos. Sentou e fez um disco de inéditas que leva o nome “30” e traz uma porção de inéditas fortes. Quem segurou a onda do confinamento durante a pandemia com certeza vai se emocionar com “Fique Onde Eu Possa Te Ver” e seus versos: “Só peço que aguente/ Que não fique Doente/ Eu Quero Tanto Te Encontrar/ Lá Na Sorveteria/ Quando Tudo melhorar”. Nos papos de divulgação do álbum, a banda formada por Fernanda Takai, John Ulhoa, Ricardo Koctus, Richard Neves e Xande Tamietti conta que celebra a longevidade e tem planos para o futuro. É isso, turma. Não podemos perder mais bandas queridas, não. 

Cinco anos após sua morte, o baterista Wilson Das Neves vai ganhar um disco em sua homenagem, reunindo regravações e canções inéditas suas. “Senzala e Favela” é uma dessas inéditas que o autor não conseguiu colocar a voz. Era para ser uma parceria sua com Chico Buarque. Por conta do destino, ficou para o Emicida complementar a ausência. Essa reunião de grandes arquitetos da “língua brasileira”, para citar Tom Zé, não é por acaso. Wilson foi o baterista de Chico por décadas; Emicida foi o jovem parceiro de Wilson em diversas colaborações. Um tributo mais do que justo a um dos maiores bateristas da história da música brasileira.

Aqui no Top 50 da CENA já celebramos muito YMA e Jadsa, duas artistas novas e gigantesca com álbuns de estreia potentes; “Par de Olhos” (2019) e “Olho de Vidro” (2021), respectivamente. Imagina a nossa felicidade em saber que elas resolveram se juntar, fazer uma duplinha e vão soltar um EP desse encontro especial. “Meredith Monk”, que celebra a compositora norte-americana, é o primeiro vestígio de Zelena, o disquinho colaborativo. Uma sonzeira para quem gosta de inverter as horas. E detalhe: a faixa tem duas das guitarras mais criativas do Brasil conversando; a guita da Jadsa, lógico, e a guita de um certo mestre chamado Fernando Catatau. Conhecem ele de algum lugar? 

Dos mais criativos da cena de rap da Bahia, Rei Lacoste, que se movimenta também pelo campo do design e do audiovisual, resolveu escrever uma love song sobre a dificuldades de às vezes parear teu lance e intenção com aquela pessoa especial. A letra vem em uma levada de reggaeton com muito suíngue brasileiro. Para não falar de amor sonzinho, ele convidou a cantora Dunna, dona de um vocal marcante, tão diferente do habitual por aí e ao mesmo tempo tão pop. Difícil colocar em palavras a sensação que dá, vá escutar. Em breve Dunna lança seu álbum “Banal”. Ela tem tudo para conquistar uma audiência gigantesca. Que duplinha foda. E não é a primeira parceria deles: procure por “Bicho de Sete Cabeças”, um abraço em Geraldo Azevedo. 

Ainda pela Bahia, vale dar uma sacada na novidade do GIO, que talvez você também conheça pelo nome de Giovani Cidreira. Pelo selo Máquina de Louco, GIO reuniu Russo Passapusso e Melly em uma produção de Sekobass, mostrando que o peso do BaianaSystem começa a se tornar mais e mais coletivo, já que o selo é idealizado por Beto Barreto – Beto, Seko e Russo são parte da banda. E, mais uma vez neste Top 50, o tema é desencontro amoroso, eita nóis. O verão parece ter machucado muitos corações. Aô, sofrência. 

Depois de uma imersão no pagode, Ludmilla apresenta no álbum “Vilã” uma imersão no pop moderno/música eletrônica/hip hop em um disco de tons variados e bem diferente de seus momentos pop anteriores. É um disco mais dark, talvez. Mas o sucesso continua. A gente achou inclusive essa nova fase bem mais divertida que a anterior. As letras passeiam entre ostentação, tiração de onda e contam com muito bom humor. “5 contra 1” é exatamente sobre isso aí que você tá pensando mesmo. Um papo sobre o vacilão que fica literalmente na mão, se é que nos entende aqui. Com o lançamento, Lud se mantém tranquilamente como a rainha do pop nacional no momento.

11 – Sant – “SSA” (com Luedji Luna e VANDAL) (7)
12 – Bike – “Filha do Vento” (Estreia) (8)
13 – Mundo Video – “Amanhã à Noite Quando Eu Acordar” (com Bruno Berle) (9)
14 – Selvagens à Procura de Lei – “O Verão Passou, Mas o Sol Continua Aqui” (10)
15 – Gab Ferreira – “Forbidden Fruit” (11)
16 – Jambu – “Caso Sério” (12)
17 – Alice Caymmi – “Desfruta” (13)
18 – Getúlio Abelha – “Voguebike” (14)
19 – Terraplana – “Me Encontrar” (15)
20 – ÀIYÉ – “Diablo” (16)
21 – Mahmundi – “Sem Necessidade” (17)
22 – Cícero – “Longe” (18)
23 – Kamau – “Classe” (19)
24 – César Lacerda – “Nítido Cristal Puro” (20)
25 – Rogê – “Pra Vida” (21)
26 – Carolina Maria de Jesus – “O Pobre e o Rico” (com Nega Duda) (22)
27 – Jards Macalé – “Coração Bifurcado” (23)
28 – Rodrigo Campos – “Atraco” (com Mari Tavares) (24)
29 – Rubel – “Lua de Garrafa” (com Milton Nascimento) (25)
30 – Assucena – “Nu” (26)
31 – Sessa – Vento a Favor” (27)
32 – Tetine – “Spaced out in Paradise” (28)
33 – Marina Sena – “Tudo pra Amar Você” (29)
34 – MC Tha – “Coisas Bonitas” (com Mahal Pita) (30)
35 – Bin Laden e Gorillaz – “Controllah” (31)
36 – Pabllo Vittar – AMEIANOITE (com Glória Groove) (32) 
37 – Mateus Fazeno Rock – “Melô da Aparecida” (33)
38 – Tagua Tagua – “Pra Trás” (34)
39 – Nina Maia & Chica Barreto – “Gosto Meio Doce” (35)
40 – Chico César – “Ligue o Foda-se” (36)
41 – Gustavo Bertoni – “Marionettes” (37)
42 – Danilo Cutrim – “Vai Cair” (38)
43 – Maria Beraldo – “Truco” (39)
44 – Jonathan Ferr – “Preterida” (40)
45 – Mu540 – “Jatada Nostálgica Automotiva” (41)
45 – Jup do Bairro – JUP ME” (42)
47 – Betina – “O Coração Batendo no Corpo Todo” (com Luiza Lian) (43)
48 – Karen Jonz e CSS – “Coocoocrazy (com CSS) (44) 
49 – 2DE1 – “Sin Perder La Ternura Jamás” (45)
50 – Sara Não Tem Nome – “Agora” (46) 

* Entre parênteses está a colocação da música na semana anterior. Ou aviso de nova entrada no Top 50.
** Na vinheta do Top 50, o músico baiano João Gilberto, em foto do acervo do Sesc do show de 1998.
*** Este ranking é pensado e editado por Lúcio Ribeiro e Vinícius Felix.

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