Semana especial na música brasileira. São tantos discos bons que o primeiro lugar da vez, o excelente retorno do Boogarins, rendeu um textão. E as outras músicas novas não fizeram por menos. Pô, é uma lista que tem até Chico Buarque! É um feat. Mas é Chico rodando nosso Top 50! Não é todo dia.
Tem um tempo que o Boogarins encara no palco o repertório do Clube da Esquina. E uma das grandes lições de Milton, Lô e cia. naqueles discos é que as convenções das bandas de rock são um atraso. Não é preciso ter limites entre quem compõe, quem canta e quem toca o quê. Se a música pede uma roupagem pouco usual a banda, a banda que se revire. É a canção que merece ser bem mais servida e não o inverso. Essa abertura, essa abordagem moderna, como se fosse o futebol total dos holandeses em 1974, se apresenta na sonoridade diversa impressa pelo Clube e que comove até hoje. Pelo visto, em “Bacuri”, novo álbum do Boogarins, a lição foi absorvida com sucessos. Eles não chegaram ao radicalismo de se alternar entre seus instrumentos, mas trocaram a abordagem mais experimental dos trabalhos anteriores para servirem mais cada canção e seus caprichos. Eles nunca soaram tão diferentes entre cada faixa de um álbum ao mesmo tempo que nunca soaram tão unidos. Todas as músicas de “Bacuri” são assinadas pelos quatros – Benke Ferraz (guitarra e voz), Dinho Almeida (guitarra e voz), Raphael Vaz (baixo, moog e voz) e Ynaiã Benthroldo (bateria e voz) – e foram moldadas em um processo que partiu das ideias individuais de cada para o processo coletivo. Resultado: em “Bacuri” todos cantam. Em termos de som, a produção caseira/hi-fi dividida entre a banda e a gênia do som Alejandra Luciani resultou no que a banda afirma ser o disco mais semelhante à energia ao vivo do grupo. E estão certos nisso, embora caiba dizer também que é o trabalho onde eles parecem ter a tranquilidade de saber que podem deixar o experimental para o palco enquanto no disco as coisas podem ficar um poucos mais objetivas, talvez, ou mais “nítidas”, como eles mesmo dizem. Muito longa a ideia? Resumimos, então: se dez anos é muito para uma banda de rock, os poucos mais de dez anos desde a estreia do Boogarins são um detalhe. É como se tivesse passado um dia só desde “As Plantas Que Curam”. A aventura só começou. Ah, o humor deles segue intacto. Ou não teriam escrito uma música que se chama “Chrystian & Ralf (Só Deus Sabe)” e que de fato caberia no repertório da dupla!
Ederaldo Gentil foi um dos grandes nomes do samba brasileiro. Baiano de Salvador, teve sucessos e frustrações ao longo da sua carreira. Foi regravado por muitos, mas no fim da vida optou por um longo isolamento artístico. Resgatando seu nome e pedindo licença para cantar sua obra, Giovani Cidreira cria um laço firme com o antigo compositor de sua cidade ao regravar suas músicas em “Carnaval Eu Chego Lá”. O álbum é fruto de uma longa pesquisa, que também virou documentário, e que proporcionou a Giovani encontrar muitas semelhanças entre os seus gostos e os de Ederaldo. O resultado é que o disco soa autoral, uma habilidade dos melhores intérpretes. É como se cada samba tivesse sido escrito em 2024. Pelas letras, sim, mas também pela sonoridade engenhosa, responsabilidade compartilhada por Gio com os produtores Mahal Pita e Filipe Castro, que honram a modernidade do samba de Ederaldo – recentemente sampleado por Don L em “Auri Sacra Fames”.
Aos 45 minutos do segundo tempo do fechamento deste texto, pintou online o novo álbum do Negro Leo, seu nono álbum de estúdio. O play merece, lógico, um reflexão mais demorada, mas já na primeira ouvida é possível entender o caminho da pesquisa do compositor. “Rela” é um álbum sobre sexo no século XXI (“Nunca se escreveu tão explicitamente sobre sexo na cultura popular (…) Se há algum mal-estar nessa geração, não é não falar o suficiente, é não fazer o suficiente”, diz Negro Leo) e traz uma mistura de música eletrônica contemporânea com a tradição do Boi em seu som. O disco inclusive é dedicado à mãe de Leo da seguinte forma: “À minha mãe, Lindomar Campelo Gonçalves, por ter sempre cultivado a presença do bumba meu boi dentro de casa. A Hélio Costa e Gilberth Ferreira do Boi Brilho de Lucas, fundamentais para consistência do disco”. O som de mensagem chegando, que ecoa na abertura do disco, é o recado, literalmente!
Não é todo dia que um álbum abre com um feat. de Chico Buarque, o compositor que é bem mais econômico que outros nomes de sua geração em termos de participações especiais. O mérito de tirar Chico de casa está em “Sentindo”, quinto álbum do 5 a Seco e o primeiro após um hiato de cinco anos na história do grupo formado por Leo Bianchin, Pedro Altério, Pedro Viáfora, Tó Brandileone e Vinicius Calderoni. Não é por menos, “Comédia de Enganos” é canção de emoção e porte buarquiana em sua melodia encravada em harmonia complexa que conduz um crescente tom levado por todas a vozes do grupo, um por vez, até desaguar em Chico Buarque. É como se fosse 6 a Seco. Será que ele topa entrar de vez no time? Acho que os meninos aceitam.
Karina prepara a sucessão de “Desmanche”, seu álbum do distante 2019. Saudades de novis dela? O primeiro single da jornada de agora é justamente sobre saudade, a saudade boa de rever uma velha conhecida, que mudou um pouco, mas não mudou nada. Um sentimento que todo mundo que ama alguém ou um lugar sabe bem que bate depois de um tempo distante. Coisas da vida em trânsito. Ou como explica a cantora: “Eu sempre estive em trânsito, de mudança, de um canto a outro, me sentindo completamente em casa em muitos lugares e também uma sensação de estar sempre indo e quase nunca voltando pra casa”. “Poeira de Luz” tem letra e música de Karina, e arranjo compartilhado por ela, Ubiratan Marques (Orquestra Afrosinfônica) e João Meirelles (BaianaSystem). Tudo feito na beleza de Salvador.
“Cartazes” é uma música que Rico Dalasam já vinha antecipando em seus shows. Agora virou single. Um single sobre “o desejo de sumir dentro do imaginário social”, pontua o rapper. Nessa reflexão sobre encontros e partidas, ficamos pensando também em “catarses”, algo que Rico promove em seus espetáculos. Será que cabe essa interpretação?
Entre a volta do Planet Hemp e mil projetos, BNegão deixou de canto sua jornada solo com Os Seletores de Frequência, parceria que rendeu três discos. Agora em 2024 ele lança seu mítico primeiro álbum solo. “Metamorfoses, Riddims e Afins” estava previsto para 2021… Bom, tudo em seu tempo. Com dez faixas, o material traz músicas inéditas, mas também revisita bons momentos dos tempos de Seletores. Um deles é a icônica “A Verdadeira Dança do Patinho”, que surge atualizada na letra (que fala de milicos, Fiesp e outras tretas) e com a presença do BaianaSystem, que tirou a velocidade da original e aumentou o peso.
Voltamos ao Supervão e seu disco novo, porque fomos obrigados. Disco de uma música grudenta atrás da outra, o novo álbum da banda gaúcha Supervão segue nos fazendo escolher uma faixa preferida a cada escutada. A da vez é esta maneiríssima balada com participação especial da Papisa, de SP, que compôs a letra junta com os rapazes do Sul que comandam a Supervão. Seria perfeita para ser o tema romântico do casal da novela das 9, se o mundo fosse justo.
A morte de Tom Jobim completou 30 anos em 2024. Nesta marca, Arthur Nestrovski e Paula Morelenbaum produziram juntos seis videoaulas para a revista “Piauí” onde investigam nuances da obra do maestro. O projeto ganha um desdobramento com “Jobim Canção”, álbum que de alguma forma compacta a experiência. É dez canções de Tom, indo da produção dos anos 1950 (“Cala, Meu Amor”, “Caminhos Cruzados” e “Eu Não Existo sem Você”) até os anos 1990 (“Piano na Mangueira). Resultado: uma aula extra e tanto. Um verdadeiro guia nos moldes de “para gostar de Tom Jobim”.
Luiza Pereira, ex-INKY, comprou uma guitarra durante a pandemia e fez do instrumento novo sua parceira, compondo um mar de novas canções. O produto desse período virou sua primeira manifestação solo como MADRE. O primeiro disco da nova fase, o bem bom “VAZIO OBSCENO, também funciona ainda como uma manifesto contra a predação do streaming. O álbum ficara disponível nas plataformas por apenas seis meses, depois só na edição física.
11 – Supervão – “Sei Lá, Não Deu” (7)
12 – Pullovers – “Não Se Mate” (8)
13 – Antiprisma – “Que Seja” (9)
14 – Danilo Penteado – “O Que, Então, Nos Faz Sonhar?” (10)
15 – BADBADNOTGOOD, Tim Bernardes e Arthur Verocai – “Poeira Cósmica” (11)
16 – Nina Maia – “Caricatura” (15)
17 – Paira – “Preciso Ir” (16)
18 – João Erbetta – “Pra Esquecer da Solidão” (18)
19 – Naïf – “Trópicos Úmidos” (19)
20 – Submerso – “Estrago Que Me Faz” (20)
21 – Janine Mathias – “Barracão É Seu” (com Criolo) (21)
22 – Amiri – “Rap Du Bom” (com DJ Will e O Adotado) (22)
23 – Maria Luiza Jobim e Mahmundi – “Insensatez” (23)
24 – Dora Morelenbaum – “Venha Comigo” (24)
25 – Maria Beraldo – “Baleia” (25)
26 – Gio – “O Samba e Você” (com Céu) (26)
27 – Batata Boy – “Novas Rotinas” (com Vitor Milagres) (27)
28 – Mundo Video – “COMO VOCÊ ME VÊ” (28)
29 – Sítio Rosa – “Amarelo” (29)
30 – Thalin, VCR Slim, Cravinhos, Pirlo, iloveyoulangelo – “Todo Tempo do Mundo” (30)
31 – Curumim – “Só Para no Paraibuna” (31)
32 – Jean Tassy – “Dias Melhores” (com Don L) (32)
33 – Tássia Reis – “Só um Tempo” (com Criolo) (33)
34 – Papangu – “Rito de Coroação” (34)
35 – Liniker – “Me Ajude a Salvar os Domingos” (35)
36 – Caxtrinho – “Cria de Bel” (36)
37 – Bruna Mendez – “Temporal” (37)
38 – Thiago França – “Luango” (com Marcelo Cabral e Welington “Pimpa” Moreira) (38)
39 – Vitor Milagres – “Um Barato” (39)
40 – Apeles – “Fragment” (40)
41 – Alaíde Costa – “Foi Só Porque Você Não Quis” (41)
42 – Exclusive os Cabides – “Coisas Estranhas” (42)
43 – TRAGO – “Porvir” (43)
44 – Vivian Kuczynski – “Me Escapo a Cuba” (44)
45 – Papisa – “Vai Passar” (45)
46 – Antônio Neves – “Dinamite” (46)
47 – Mateus Fazeno Rock – “Madrugada” (47)
48 – Julia Branco – “Baby Blue” (48)
49 – Taxidermia – “Clarão Azul” (49)
50 – Mirela Hazin – “Delírio” (50)
* Entre parênteses está a colocação da música na semana anterior. Ou aviso de nova entrada no Top 50.
** Na vinheta do Top 50, a banda Boogarins, em foto de Gabriel Rolim.
*** Este ranking é pensado e editado por Lúcio Ribeiro e Vinícius Felix.