Top 50 da CENA – Tássia Reis vem quente em primeiro. Papangu traz a Paraíba ao ranking. Zé Manoel canta o amor (a Johnny Alf)

A música capaz de emplacar quatro discos grandiosos em uma semaninha só é a brasileira. Qual outro lugar do mundo tem esse privilégio? E discos tão diferentes entre si – do samba ao metal ao jazz ao folk. Tem de tudo. E tem gente que reclama da nossa CENA.

“Topo da Minha Cabeça”, novo álbum de Tássia Reis, reúne os dois universos formadores da cantora/rapper: o samba e o hip hop. Samba que veio da família, rap que veio de sua formação na caminhada artística. E aí é que está o segredo do trabalho. Não se trate de uma mera mistura de gêneros, algo até batido já. O que acontece aqui é um mix das diversas trajetórias de Tássia – e isso torna o trabalho único e quente. Temos exemplos: ela passou um tempo cantando o repertório de Alcione e traz muito da primeira fase da sambista para o álbum. Repare em “Sol Maior”, que faz referência direta ao soul e samba da Marrom em músicas como “Acorda Que Eu Quero Ver”. Outra batalha de Tássia, que está refletida no álbum, é seu trabalho de tirar a mulher do papel apenas de cantora de refrões no rap nacional. Em “Só um Tempo”, quem versa é ela, enquanto Criolo cuida do refrão. Sacou? “Topo da Minha Cabeça” é o tipo de disco que leva uma vida para se fazer e por isso mesmo vai durar por muitas e muitas vidas – porque sua música é viva.  

“Lampião Rei” é o segundo disco da turma paraibana do Papangu. Em forte contraste com seu primeiro trabalho, o grupo expande suas fronteiras sonoras por aqui e traz o rock pesado, psicodélico para conversar com forró, baião e jazz-rock. Chico Buarque encontra Sepultura, Gonzação encontra pedal duplo e vocais guturais. E obviamente ficou lindo. A ousadia do sexteto ainda está impressa em pequenos detalhes como a mixagem, que é ligeiramente mais baixa do que a normal hoje na indústria. Isso obriga o ouvinte a aumentar o volume para compensar, mas deixa o som gravado mais vivo, já que os pequenos detalhes não são sacrificados em um mar de compressão. 

Zé Manoel é um dos grandes pianistas de uma geração brasileira e tanto no instrumento – pense aí em Jonathan Ferr e Amaro Freitas, que extravasam o erudito/clássico/experimental em direção ao pop. Na batalha há algum tempo (sua estreia é de 2012), Zé fez um dos melhores álbuns do pesado 2020, o denso “Do Meu Coração Nu”, um disco fundamentado no conceito passado por Letieres Leite de que toda música brasileira é preta. “Coral”, seu novo álbum, parece dar continuidade a essa pesquisa adicionada a nova etapa de vida do compositor, que assina todas as faixas, seja sozinho ou com parceiros como Bruno Morais, produtor do disco, Alessandra Leão, Liniker e Bruno Capinan. Essa confluência de pesquisa e emoção pode ser sentida em “Canção de Amor para Johnny Alf”, que une biografia com declaração de amor.  

O primeiro álbum solo de Ale Sater, baixista e vocalista do Terno Rei, reflete alguma satisfação. A começar pelo título, “Tudo Tão Certo”, e pela maneira que Ale avalia o trabalho: “Gosto de cada uma das músicas de uma maneira diferente e especial”. O que não deixa o disco sem seus momentos acinzentados e nostálgicos, ao modo que os fãs apreciam e que são tão característicos dele em sua banda. Só ver os acordes bêbados de “Final de Mim”, entre noias e desabafos. 

Ainda nas ondas das montagens que dominam as mais ouvidas no Brasil, Caetano Veloso, sempre atento às movimentações da música brasileira, oficializa a segunda remexida de sua obra. Ele já tinha liberado a mtg de “Você Não Me Ensinou a Te Esquecer”, do DJ Luan Gomes, e “Mtg Você É Linda”, que ganhou até vídeo, até desagradou alguns fãs – que o próprio Caetano respondeu explicando justamente que sempre está de olho em tudo e está curtindo a pegada do funk em BH, que deram novos sentidos às montagens. Poético, ele achou bacana Belo Horizonte dar novos caminhos a algo carioca. Belo horizonte para o brasileiro. 

“Aqui encantamento e caos cabem no mesmo som, são assuntos comuns”, canta Felipe Cordeiro em “Amazon Money”, canção que conta passado, presente e futuro do Brasil através da Amazônia, centro nervoso do fim do mundo, seja para sua efetivação ou contenção. Em pouco mais de dois minutos vemos o garimpo que dá as mãos para cidades florestais, Lula e Macron ante a Queda do Céu e Belo Monte – fora o duplo sentido em trazer a Amazônia vertida para o inglês, coincidindo com a predadora Amazon de Jeff Bezos. É o fim dos tempos numa música meio melancólica-meio propositiva, que te convida a rebolar. Muita informação? O turbilhão proposto por Felipe está dito no título do álbum, o singelo “Close Drama Revolução & Putaria”, que ele próprio define como obra de viés disruptivo. Quente. Tipo onda de calor forte.  

A música de semanas atrás, que já foi primeiro lugar e depois deu uma caída, volta a lugar de destaque no topo do pódio. Também, pudera. Ela volta a nos encantar por causa de uma entrevista recente de sua autora. Não é que “Me Ajude A Salvar os Domingo”, nossa favorita do álbum “Caju”, tem sete minutos. Ela poderia ser muito maior. Liniker contou que o fim repentino da música é culpa de um detalhe técnico: a fita de gravação acabou. Ela e os produtores entenderam o recado como um presente do mundo analógico, até porque mesmo a antiga fita permite remendos. Decidiram ficar com a aura original do que rolou em estúdio. Talvez isso explique um pouco do poder da faixa. E por falar em poder… Muito se discute hoje a distância entre os número do auê online e do quanto isso se traduz em bilhete vendido no mundo fora das telas. Liniker provou nesta semana que seu barulho é bem real: quatro datas esgotadas no enorme Espaço Unimed, com potencial de abrir muito mais datas para os interessados. Uau.

No processo de composição do novo álbum, a banda de hardcore Sugar Kane começou a revistar composições antigas que ficaram pelo caminho. Encontraram “Agora”, feita em 2009, mas cuja letra se encaixa perfeitamente na criação fictícia de realidades promovidas pelas redes sociais. “Agora esqueça quem é você”, diz um dos versos. Para dar um gás na faixa, eles chamaram uma fãs das antigas da banda, Jup do Bairro. O convite veio depois de eles descobrirem que Jup ia novinha aos shows acompanhada do pai. Juntar essa relação histórica com a admiração deles pela artista foi o combo perfeito. “Agora” soa urgente e mostra que Sugar Kane, já com quase 25 anos de história, tem muita lenha para queimar. 

Aproveitando que falamos do Sugar Kane, vamos falar do Swave, que tem André Dea na bateria, um dos homens com mais bandas no Brasil – ele toca com o Sugar Kane, Violet Soda e Supercombo e agora está em mais uma banda, que junta integrantes do Violet Soda e do Far From Alaska com a vocalista Aline Mendes, que solo se apresenta como Alinbloom. Juntos eles fazem rock em bom português explorando a simplicidade do gênero, como se agissem sem a preocupação envolta dos projetos originais de cada um. Fica divertido e isso está estampado até no nome do primeiro EP deles, “Por Enquanto É Isso”.  

Popoto Martins conta que a pandemia aproximou ele mais de músicas e menos do rolê de banda. Esse interesse em focar mais na canção e menos no que dá corpo a ela esteticamente é um dos motes que forma “27”, quarto álbum do Raça em dez anos de banda. “Que Besteira”, por exemplo, poderia ser um samba ou um hardcore dos primeiro dias, embora aqui seja apresentada como um rock indie com toque de sintetizador. O que importa é passar uma mensagem clara e que fique na cabeça do ouvinte. E fica mesmo, Popoto. 

11 – Gab Ferreira – “Terrified” (6)
12 – Maria Beraldo – “Matagal” com Zélia Duncan (8) 
13 – Caxtrinho – “Cria de Bel” (9) 
14 – Bruna Mendez – “Temporal” (10) 
15 – Monstro Bom – “Verde Limão” (11) 
16 – Sítio Rosa – “Lua” (com Fernanda Takai) (12)
17 – Afonso Antunes – “Porto Alegre 12:30” (13) 
18 – Thiago França – “Luango” (com Marcelo Cabral e Welington “6impa” Moreira) (16) 
19 – Milton Nascimento e Esperanza Spalding – “Cais” (17)
20 – Varanda – “Vida Pacata” (18)
21 – Rashid – “Um Tom de Azul” com Péricles (20) 
22 – Vitor Milagres – “Um Barato” (22)
23 – Dora Morelenbaum – “Caco” (23) 
24 – Bebé, Rei Lacoste, Giovani Cidreira e Tangolo Mangos – “Sem Ódio na Pista” (24)
25 – Apeles – “Fragment” (25)
26 – Siba – “Vaivem” (26) 
27 – Jota Ghetto e Jamés Ventura – “Downtown” (com KL Jay) (27)
28 – Febem – “Abaixo do Radar” (com CESRV e Smile) (28)
29 – DJ Anderson do Paraíso – “Madrugada Fria” (29) 
30 – Alaíde Costa – “Foi Só Porque Você Não Quis” (30) 
31 – PLUMA – “Se Você Quiser” (31) 
32 – Hoovaranas – “Fuga” (32) 
33 – Exclusive os Cabides – “Coisas Estranhas” (33)
34 – Chico Bernardes – “Até Que Enfim” (34)
35 – TRAGO – “Porvir” (35)
36 – Samuel Rosa – “Não Tenha Dó” (36)
37 – Tontom – “Tontom Perigosa” (37)
38 – Vivian Kuczynski – “Me Escapo a Cuba” (38)
39 – Quartabê – “Eu Cheguei Lá” (39)
40 – Papisa – “Vai Passar” (40)
41 – Carlos do Complexo – “Sextos Sentidos” com Menor do Engenho e Marlon do Engenho (41)
42 – Antônio Neves – “Dinamite” (42)
43 – Hermeto Pascoal – “Passeando pelo Jardim” (43)
44 – Mateus Fazeno Rock – “Madrugada” (44)
45 – Julia Branco – “Baby Blue” (45)
46 – Taxidermia – “Clarão Azul” (46)
47 – Mirela Hazin – “Delírio” (47)
48 – Bruno Berle – “Te Amar Eterno” (48)
49 – Pabllo Vittar – “Pra Te Esquecer” (49)
50 – Tuyo – “Devagar” (50)

* Entre parênteses está a colocação da música na semana anterior. Ou aviso de nova entrada no Top 50.
** Na vinheta do Top 50, a cantora e rapper Tássia Reis.
*** Este ranking é pensado e editado por Lúcio Ribeiro e Vinícius Felix.

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