Top 10 Gringo – Respeita (as músicas d)as minas. Feist, Angel Olsen e Jorja Smith comandam nossa parada

Semana de muita reflexão no Top 10. Músicas que falam sobre amadurecimento, perdas, conquistas, idas e vindas. Ainda que separamos umas mais para só dançar com a cabeça meio desligada. Nem tudo é fritação mental. Ainda mais com um feriadão pela frente.

A turma da NPR americana, o importante conglomerado de rádio que virou vital mídia indie nos EUA, não teve medo de cravar: “Multitudes”, novo álbum da canadense Feist, é seu melhor trabalho até aqui por tratar de sua maturidade. No título do disco, Feist evoca o poeta Walt Whitman e seu famoso verso, “Very well then I contradict myself (I am large, I contain multitudes)”. Em tradução livre, “Muito bem, então eu me contradigo (eu sou grande, eu contenho multidões)”. Bob Dylan já pegou para si o mesmo trecho, para você ter noção da importância do verso. E as múltiplas Feists se apresentam várias aqui. Seja para se conhecerem, seja para entrarem em conflito. A mulher mais velha, a mulher que virou mãe, a jovem mãe que perdeu seu pai. São canções escritas ao violão que ela colocou para jogo em apresentações ao vivo bastante experimentais. E que ficaram imensas nos arranjos pensados para o estúdio. Alguém falou em disco do ano? Tá cedo ainda?

Por falar em perda e amadurecimento, a norte-americana Angel Olsen encarou algo parecido em “Big Time”, seu álbum de 2022, que chegou após uma avalanche de eventos: ela abriu para o público e sua família sobre sua sexualidade. “Sou gay” escreveu no Instagram; depois, em poucos dias, perdeu seus pais. Com tanta coisa e a idade, ela se viu mais aberta para falar sobre si mesma e sobre amor. Os efeitos desse processo seguem no EP “Forevers Means”, que anda sendo tratado com justiça quase que com um peso de álbum de tão amarrado que é, ainda que feito de sobras de “Big Time”. Não é loucura dizer que Angel está no seu melhor momento musicalmente. Ela parece não desperdiçar nota. É tudo pura emoção.

Lembra quando a querida inglesa Jorja Smith subiu no palco do Lollapalooza com camiseta da seleção brasileira, ressignificando (ou tentando) a amarelinha? Seu novo single parece dar ínicio a um novo momento na carreira da cantora, mais moderna ainda no seu já modernoso R&B. Foi meio impossível ouvir “Try Me” e não imaginar que Jorja está construindo o que Rihanna poderia estar fazendo se não estivesse curtindo suas merecidas férias. E essa mudança sonora de Jorja pode ter mais significado, já que ela escreveu algo (quase) polêmico na nota de divulgação: “Esta é a primeira vez que estou divulgando coisas com as quais posso me conectar agora”. Interessante. Quem será que restringia ela antes?

“But Here We Are”, em tradução livre, “Mas Aqui Estamos”. Esse é o nome do novo álbum do Foo Fighters, o primeiro após a pesada morte do baterista Taylor Hawkins. Um título que ecoa um dos principais versos de “Smells Like Teen Spirit”.  “Aqui estamos, nos entretenha”, cantou Kurt Cobain no maior hit do Nirvana, ex-banda de Dave Grohl. Com isso em mente vem uma dupla leitura dessa escolha, no mínimo. Afinal, o título pode indicar tanto a resistência do grupo a todas as adversidades quanto um conformismo esquisito da banda liderada por Grohl, que aparentemente vai seguir toda a lógica alucinante da indústria sem muitos questionamentos: mega disco, mega shows; que soam tão custosos a saúde – uma discussão que foi ensaiada após a tragédia com Taylor, mas que não durou muito. Parecia um assunto sério a ser tratado – qual a razão de turnês tão longas e tanto trabalho? Fica nossa angústia, até porque não existem formas mais certas do que outras de seguir o jogo. E até porque Dave parece usar a música como sua terapia, talvez diminuir o ritmo não soe como solução. “Rescued”, primeiro single do novo álbum, é abertamente sobre a velocidade terrível da perda: “Veio em um flash/
Veio do nada/ Aconteceu tão rápido/ E então acabou”. 

Dá para dizer que o supergrupo Metallica foi renovado meio sem querer mas querendo pelo inesperado sucesso de um velho hit. “Master of Puppers”, de 1986, alcançou toda uma nova geração via “Stranger Things”, seriado da Netflix. Ter algo de sua fase menos pop reconhecido parece ter resolvido questões que o Metallica não solucionou em sua extensa terapia ao longo destes anos. “72 Seasons” é o disco mais bem-resolvido da banda em muito tempo, um meio-termo feliz do conflito que sempre fez a banda sofrer: respeitar a cartilha do trash metal dos primeiros discos ou abraçar o rock radiofônico feito a partir do “Black Album”? Mas nem tudo é perfeito. Se sonoramente a banda parece ter encontrado uma solução para enquadrar tudo que ama de uma vez só, as composições em si não são as mais inspiradas do mundo, ainda que o disco tenha um conceito interessante: cantar sobre os primeiros 18 anos da vida, as tais 72 estações do título do disco. Mas vamos dar tempo ao tempo. Quem sabe bate melhor nos próximos plays? 

E, por falar em Lollapaloozas antigos, lembra quando o Portugal. The Man tocou anunciando o tempo todo que logo rolaria “aquela que todos conhecem”, no caso, o hit “Feel It Still”? Foi um show engraçado e esquisito… “Champ”, novo single da banda, pode não ter a mesma força do seu hitaço, mas é uma música bem legal. Conta com a participação de Edgar Winter, saxofonista e tecladista histórico. Consta que ele foi um dos primeiros a ter sacada de usar o teclado com uma correia, possibilitando que ele andasse pelo palco enquanto tocava. Obviamente, temos um solo de sax por aqui. A faixa ainda traz um pequeno trecho quase heavy metal lá pelo final; é tipo uma inserção da banda With War, que se apresenta como straight-edge, vegana e anti-colonial. Interessante.  

Em março, a dupla inglesa formada por Neil Tennant e Chris Lowe soltou mais uma coletânea de singles, chamada”Smash”. Mas o que interessa é um lançamento menor que se chama “Lost”. Como o título indica, são canções perdidas das sessões do álbum de 2016, o “Super”. “Ah, é o mesmo de sempre?”, você pode se perguntar. Acertou. Mas, olha, vamos aceitar. É o Pet Shop Boys de sempre e é muito bom. Estavam inspirados nessa leva.  

E por falar em anos 80 quem chegou superoitentista foi a inglesa Arlo Parks, em seu esperto novo single, ainda que ela argumente que esta “Blades” é inspirada no rock psicodélico dos anos 70 e no Kaytranada. Fica a questão. Fato é que se trata de um musicão. Uma daquelas feitas para dançar mesmo, nas palavras da própria autora. Pode duplicar sua ansiedade por aí. Ela toca no Brasil em breve e seu novo álbum, “My Soft Machine”, chega em maio. A estreia, “Collapsed in Sunbeams”, já foi um arraso. Tudo indica que o próximo disco de Parks venha melhor ainda. 

Quem aí se recorda do Temples? Talvez esses ingleses não tenham virado um Tame Impala ou Boogarins da vida, mas são dos grandes representantes de uma cena que dá para chamar de nova psicodelia. Eles até chegaram até por aqui nessa época, ali por 2014/2015. Em “Exotico”, seu quarto e conceitual álbum, o grupo imagina uma ilha impossível e exótica pelas canções. Basta reparar na capa do disco, uma linda pintura onde um buquê de flores faz o papel do sol na paisagem. “Slow Days” parece perfeita para um dia de sol nesta ilha. Quem toca a produção é o não menos psicodélico Sean Ono Lennon. Reconhece pelos sobrenomes de quem estamos falando, né?

Kathleen Hanna é das pessoas mais importantes no mundo hoje. No mundo mesmo, não estamos falando só da música pop. Criadora do Bikini Kill, uma das principais forças do movimento riot grrrl, Hanna é daqueles seres humanos que parecem ser sempre capazes de mudar tudo a sua volta só com sua presença e influência. Das coisas mais fortes que fez, como a clássica “Rebel Girl”, canção onipresente na cultura pop hoje, até coisas mais corriqueiras (Bom, foi ela que pichou na parede do Kurt Cobain que ele fedia ao desodorante Teen Spirit; o resto é história). Na virada do século, ela criou em Nova York o Le Tigre, uma esperta banda que misturava rock com música eletrônica e que adiantava muitas discussões sobre sexualidade e feminismo que são pauta comum hoje, mas antes não era. Tudo isso para dizer que o Le Tigre voltou à ativa e em uma boa entrevista para os ingleses do jornal “The Guardian” contaram sobre como é “meio depressivo ter letras relevantes 20 anos depois”. O papo se estende em uma percepção bacana que revisitar essas músicas e entender seus novos sentidos deu uma razão para a volta da banda. Um jeito legal de encarar o trabalho. Será que rola umas datas no Brasil?  


* Na vinheta do Top 10, a cantora canadense Feist, em foto de Sara Melvin e Colby Richardson.
** Este ranking é pensado e editado por Lúcio Ribeiro e Vinícius Felix.

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