Parece propaganda da família Wilco, mas este post é jornalístico. Calhou de ter um disco solo do senhor Wilco, um disco da produtora da banda, outro gravado nos mesmos estúdios em Chicago, outro da cantora predileta deles… A vida acontece nesses encontros. Gostamos assim.
Jeff Tweedy aproveitou uma viagem com os filhos para encarar “Sandinista!”, a histórica epopeia em disco triplo da banda punk (!) inglesa The Clash, de 140 minutos de duração. “E se eu fizer a minha?”, pensou. O desafio tinha um duplo sentido: prender a atenção dos ouvintes, mas também a própria atenção, tendo que pensar em tantos detalhes. Tipo, qual o tipo de edição capaz de não sacrificar canções “menores” ou “menos impactantes”, algo determinante na hora de fechar um disco simples? Defensor da expansão da criatividade e da produção artística como prática diária, seu fluxo posto aqui funciona como um exemplo de confiar na capacidade das canções de contar e guardar histórias mesmo rendendo menos dinheiro ou algo assim. O recado subliminar do trabalho é voltarmos a dedicar mais tempo para ouvir (e fazer) um som pelo contido dentro dessa experiência – um recado para artistas e audiência. Menos bitolado no resultado, mais curtindo a estrada. Não por acaso, o vídeo promocional de “Twilight Override” é Jeff em seu carro viajando ouvindo o próprio disco por duas horas. Desafio completo com sucesso.
Se o nome Jack Antonoff na produção provoca arrepios em você pela mesmice de sempre, saiba que ele não estragou o som da Doja Cat, não. Falar também em álbum mais pop para a dona de “Kiss Me More” é meio sacanagem. A conversa só cola na comparação com seu álbum mais rap, “Scarlet” (2023), e olhe lá. O que rola de diferente aqui é esse encontrado mix em sua música sempre modernosa com timbres e ideias oitentistas – das mais chiques, tipo Prince, até as mais histéricas, tipo rock farofa. Várias aqui vão passar do bilhão de plays.
O grupo americano Geese foi de projetinho daqueles de contraturno da escola que incentiva os alunos a fazerem alguma coisa em vez de só vagabundear para sensação indie muito rápido. E aí rolam aquelas coisas inexplicáveis da música. Disco a disco, e agora estão em seu terceiro álbum, “Getting Killed”, eles ficam cada vez mais estranhos, indecifráveis e cheio de piadas internas. Boa sorte em tentar entender as letras ou as entrevistas de divulgação deles. A “Rolling Stone” americana se atreveu a perguntar o que eles andaram ouvindo como inspiração e tomaram um “Beethoven” bem insolente como resposta. Ah, os jovens… O que é visível e fácil de entender é a multidão que colou para ver um show gratuito da banda em Nova York na rua mesmo. Geesemania. Ou “Outono Geese”.
“Michelangelo Dying” é o álbum de término da Cate Le Bon ao mesmo tempo que não é nada disso. Em vez de canções chorosas, ela aproveitou a entressafra de emoções para fazer um álbum cru. Em uma entrevista para a “Vogue”, confessa: “Em outro momento teria me censurado muito mais”. A ideia se repete em um verso de “Body as River”: “Eu leio o que escrevo/ E nunca é sem vergonha”. Feito em um período de dores emocionais e físicas e também de muito trabalho com terceiro (Devendra Banhart, Wilco, Horsegirl), a conclusão é a de que seria pior se não fosse assim. Em uma metáfora para o inglês “The Guardian”, ela foi ainda mais longe: “A separação foi como uma amputação que te salva”. As canções de Cate não tentam salvar ninguém, nem ela mesmo, mas são boas companheiras de jornadas.
Se você amou “RENAISSANCE” e achou equivocada a virada da Beyoncé para o country, vai amar “Through the Wall”, da Rochelle Jordan. A artista de origem jamaicana, nascida em Londres e hoje vivendo no Canadá leva ainda mais longe sua pesquisa iniciada no incrível “Play with the Change”. A pegada eletrônica entre o garage e house agora encontra uma ligação direta com Aretha Franklin ou Whitney Houston, de acordo com a própria artista. Ou seja, temos aquele som de pista no auge, noturna, densa, mas com um aceno para o pop mais radiofônico possível. Afinal, são canções ali.
Se você ama o senhor Tame Impala, aka Kevin Parker, deve amar sua gêmea francesa, a senhora Melody’s Echo Chamber, aka Melody Prochet – eles chegaram a namorar, o que estraga de certa forma nossa metáfora, mas tudo certo. Kevin produziu o primeiro álbum dela em 2012 e de lá para cá ambos os projetos andaram quase no mesmo ritmo, embora em caminhos já distantes entre si. Em 2025, ambos chegaram ao quinto disco, seu projetos da maturidade. “Quanto mais experiência de vida tenho, mais profundamente amo a vida e menos preciso escapar”, anotou Melody sobre cada vez estar mais distante de escrever fábulas em suas músicas. Ainda assim, a sonoridade apresentada em “In the Stars” não deixa de ser aquele leve sonho delirante.
Mavis é uma voz histórica da música norte-americana. Ela foi redescoberta pelas novas gerações quando passou a ter seus álbuns produzidos justamente pelo nosso Number One da semana, Jeff Tweedy do Wilco. Em um movimento parecido com o de Johnny Cash ao se associar com Rick Rubin, Mavis passou a prestar atenção aos novos compositores. Em “Sad and Beautiful World”, seu próximo álbum, ela se aproxima de Katie Crutchfield, MJ Slenderman, Justin Vernon e coloca no repertório nomes moderninhos de tudo, como Frank Ocean (“Godspeed”) e Kevin Morby (“Beautiful Strangers”). Para doer o coração, saca a faixa-título do álbum de estreia do Sparklehorse e amplia todos os horizontes da composição original.
Quem achou exagerado já ter agenda de 2026 sendo vendida por aí está de bobeira. O ano que vem já começou faz tempo! Sai no dia 9 de janeiro o novo do Dry Cleaning, nossa banda pós-punk moderninha favorita entre 2021-2022! Vai se chamar “Secret Love”, foi produzido pela Cate Le Bon e gravado no loft do Wilco em Chicago. Tudo se conecta, não é mesmo? “Hit My Head All Day” mantém a estrutura quase falada da canções do grupo. A inspiração lírica começou denunciando a desinformação como método de trabalho da extrema-direita e foi sendo ampliada no sentido de debater como é difícil acreditar no outro de forma mais geral. “Os objetos fora da cabeça controlam a mente/ Organizá-los é controlar o pensamento das pessoas”. No refrão, um sonoro “I don’t know you” cuja tradução mais correta para português seria um outro sonoro “Não tenho ideia quem você é?”.
“Work and Days” é mais uma mostrinha nota 10 do próximo álbum do grupo de noise experimental Tortoise, um delicado instrumental com guitarras, batidas eletrônicas e um xilofone, talvez? A faixa estará em “Touch”, primeiro álbum após nove anos de silêncio. O disco físico chega em outubro e só sai nas plataformas digitais no começo do outro mês. Até os esquisitos tem suas estratégias para vender, oras.
Apesar do nome, “Jazz-Iz-Christ” não é um projeto de jazz cristão. Na real, era o projeto de jazz do vocalista do System of a Down. Sério. Com só um disco lançado em 2013, boa parte do material deles é instrumental, com a voz do Serj pintando aqui e acolá. Parece inusitado, mas ajuda você a sacar de onde vem os momentos de calmaria no System. “I Found You” é uma faixa perdida desse período e faz parte de ”Covers, Collaborations & Collages”, um disco de sobras do vocalista que vem sendo lançado aos poucos, single a single.
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* Na vinheta do Top 10, o músico americano e wilconiano Jeff Tweedy.
** Este ranking é pensado e editado por Lúcio Ribeiro e Vinícius Felix.