Popload Beats entrevista o rapper carioca XARÁ

Popload Beats entrevista o rapper carioca XARÁ Foto: divulgação

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A POPLOAD traz nos fins de semana algumas colaborações pontuais e selecionadas! A cultura musical latina, o cinema e o hip hop ganham aos sábados um destaque especial e maior que a cobertura de rock e eletrônico independente que são o cardápio principal do site. Abaixo, Felipe Evangelista escrevendo sobre o rico mundo do hip hop na seção especial Popload Beats. Hoje ele entrevista um “veterano” do hip-hop nacional, o rapper carioca Xará.

POPLOAD BEATS – por Felipe Evangelista

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PopLoad Beats Entrevista: Xará

Nas últimas semanas, uma cena se tornou rotina no meu dia a dia. Eu entro no carro para ir trabalhar e a primeira coisa que eu faço é ligar o rádio e dar o play sempre no mesmo álbum. No meio de vários sons, alguns lançamentos, outros clássicos, esse álbum especifico se destaca e é executado incansáveis vezes. O álbum em questão é o “Nós Somos a Crise”, do carioca Xará.

Apesar de ser apenas o seu segundo álbum, o rapper do bairro de Campinho é praticamente um veterano do hip-hop carioca. A sua história começou ainda moleque quando o MC Marechal ouviu uma das suas músicas na internet e o convidou para se juntar ao coletivo Quinto Andar. O grupo lançou o elogiado álbum “Piratão” em 2005 e depois se separou, levando a maioria dos integrantes a seguirem carreira solo. Xará ainda passou por outro grupo, o Subsolo, antes de pegar as estradas sozinho. Os anos se passarem e hoje ele está colecionando os frutos do seu segundo álbum, o “Nós Somos a Crise”.

O projeto foi lançado no final de setembro e na minha opinião, é até agora o melhor álbum do rap brasileiro em 2014. Desde a primeira faixa, a ótima “No Meu Império”, a gente já percebe que se trata de um trabalho muito bem executado, com instrumentais da medida certa, participações escolhidas a dedo e muita maturidade. Todos esses elementos somados às rimas inteligentes, complexas e cheias de referências do rapper, criam um daqueles álbuns que a gente vai estar sempre lembrando com carinho ao longo dos próximos anos.

Toda essa “mágica” não poderia ser executada sem a presença do produtor Damien Seth. Francês que escolheu o Rio de Janeiro para viver, Damien já tinha produzido “Além da Razão”, o primeiro álbum solo de Xará lançado em 2011. Nesse último trabalho, a gente nota a evolução das suas produções e o entrosamento que a dupla adquiriu ao longo dos anos.

Outra curiosidade interessante sobre o “Nós Somos a Crise” é a utilização de um projeto de financiamento coletivo realizado no site Catarse para a finalização do álbum. A ideia partiu da mulher de Xará, que sugeriu essa ação para que todo o processo de masterização, divulgação, prensagem, criação da arte e outros custos adicionais pudessem ser realizados nas melhores condições possíveis. O resultado final foi muito satisfatório, com a arrecadação de pouco mais de vinte mil reais.

Querendo saber mais detalhes sobre o álbum, eu entrei em contato com o Xará para bater um papo e para que ele nos falasse também sobre outros assuntos relacionados a sua carreira e a cena do rap nacional.

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Fale um pouco sobre a gravação do “Nós Somos a Crise”. Em algumas entrevistas que você concedeu, você comentou que teve muitos problemas e que só conseguiu finalmente encontrar um caminho quando você deixou para trás o seu primeiro álbum, “Além da Razão”, para fazer algo novo, sem se prender ao que você tinha feito no passado. Passando por esse tipo de problema, qual a sua opinião sobre o mito que existe na música da “maldição do segundo álbum”? A pressão é muito grande para fazer algo tão bom ou melhor do que o primeiro álbum e a galera acaba pirando?

Realmente foi muito difícil me reinventar. Precisei me perder para me encontrar novamente. Soa até meio clichê, mas o caminho foi esse mesmo. Sobre essa “maldição”, muito me foi falado, mas procuro não carregar pesos na hora da concepção, não me preocupo com mercado, trabalho com a possibilidade do erro, falha, limitações, urgência e tudo que possa parecer assustador para quem cria. Tento só olhar para frente, o que passou, passou e precisa ficar lá atrás. Feito isso, começo a lapidar o que já está criado, vejo o potencial de cada faixa, faço algumas concessões, mudo uma coisa ou outra e só então começo a avaliar o trabalho como um todo. Esse é o meu processo, livre de pressões num primeiro momento, com um olhar isolado para cada música e por fim com a distância, precisão e responsabilidade de um cirurgião para avaliar e lapidar a obra.

Como tem sido a recepção do público?

A melhor possível. Estamos muito felizes com o resultado do trabalho, com a resposta do público e sempre buscando formas de chegar em mais gente.

E com relação ao financiamento coletivo no Catarse para a finalização do álbum. Como surgiu a ideia? Vocês ficaram satisfeitos com o resultado?

Catarse para quem não sabe é um financiamento coletivo, onde pessoas que acreditam no seu trabalho, podem financiar ideias ou projetos, com ou sem recompensas, sem burocracia, através do site. A Jeovanna, minha esposa, chegou com a ideia e se colocou à disposição para fazer a produção dessa ação. Em um primeiro momento fiquei receoso, porque eu não gosto de pedir, mas ela me fez entender que na verdade eu estou ofertando um trabalho, aumentou minha confiança no processo. Ela se mostrou sempre otimista, segura e motivada e conseguiu atingir a meta. Portanto o mérito dessa campanha foi todo dela. E ficamos muito satisfeitos com o resultado positivo, o respeito do público demonstra a força do trabalho. É importante mesmo falar que o Catarse foi para financiar parte do processo, o da finalização, porque a essa altura o “Nós Somos A Crise” já estava concebido, com recursos próprios e apoio da Funky.

Além das letras certeiras e marcantes e a produção afiada, outro item que chama a nossa atenção é o cuidado de vocês com a arte do álbum. Tanto no primeiro, quanto nesse, o trabalho feito ali é belíssimo. Qual a importância desses detalhes na concepção do álbum? Quem é o autor?

Nós procuramos manter o pensamento voltado para a arte em tudo que diz respeito ao disco. Sabemos que o disco é um produto exposto num mercado gigante, chamado indústria musical, mas nós vendemos arte, somos artesãos e não abrimos mão disso. Cada um vende o que tem, e da forma que acredita. A nossa forma é essa. Eu poderia ter colocado minha foto na capa do primeiro álbum, já que a cartilha manda vender primeiro o artista porém optei por tentar vender a obra. No segundo, o nome do disco e a sonoridade foram decisivos para escolher o artista e naturalmente a capa foi tomando forma. Passei a ideia que eu tinha e toda concepção e execução ficou por conta do Ang Kvk, esse cara é foda. Ele é um artista completo e que entende de todos os processos, teve o cuidado com a arte final do disco assim como tivemos com a música.

É impossível falar do sucesso do “Nós Somos a Crise” sem citar o Damien Seth que produziu o álbum. Qual a importância dele na sua carreira e como essa parceria de longa data começou?

É impossível falar da minha carreira sem citar o Damien. Ele esteve presente nos meus dois discos. É um professor, amigo, irmão, compadre, parceiro musical, a pessoa que tem a moral e a bagagem para falar que não está bom o que eu acho que está bom. Por ele ser tão criativo, me obriga a elevar meu nível de exigência sobre a minha parte do trabalho, o que é essencial para o resultado positivo. Queremos a mesma coisa, mas o nosso processo também é muito caótico. É tenso, mas no fim de cada trabalho debatemos o que erramos e tentamos não repetir.

Ao longo do “Nós Somos a Crise” você cita e faz referência a diversos artistas. Rakim, 2Pac, Biggie, Mobb Deep, Kendrick Lamar, entre outros. Além deles, quem são as suas referências na música?

Poderia ficar horas aqui, queria organizar mesmo uma lista dos músicos, grupos e discos que mais me influenciaram na vida, entre eles estão com certeza Belchior, Gonzaguinha, Jorge Ben, Tim Maia, Marvin Gaye, KLJ, Chico Buarque, Luiz Carlos da Vila, Almir Guineto, Bebeto e vai por aí…

Não sei se eu estou sendo muito otimista, mas acredito que em nenhum outro momento nessas últimas décadas o rap brasileiro esteve tão bem representado quanto hoje. Além da galera das antigas que continua lançando novos trabalhos, temos essa nova cena que cresce a cada dia. O que você acha que falta para que o rap finalmente possa ser reconhecido como um dos principais gêneros musicais do Brasil?

Já achei que faltava organização e profissionalismo na cena, hoje não acho mais isso. Penso que agora precisamos romper um pouco com a infantilização desse gênero musical. Os artistas envelhecem mas não trazem essa maturidade nas suas letras e na forma de pensar a música. Em parte é limitação individual mas também tem a necessidade de se manter trabalhando com um público consumidor cada vez mais jovem. O ciclo vicioso começa com um adolescente que busca por música, e nos dias atuais quase que só os adolescentes tem tempo de procurar por música, e um artista que na outra ponta busca por público para pagar por seus shows, um procura e o outro supre a demanda, só que esse menino de quinze anos cresce, consequentemente o artista também cresce, o diálogo se perde por que ambos deveriam seguir falando a mesma língua, mas não é o que acontece. O artista precisa reciclar seu público porque o mesmo não quer estagnar de tamanho, e se mantém preso num dialogo cada vez mais infantil para continuar buscando o ouvinte que é mais disponível, imediato e em maior número. Isso faz com que o fã antigo, que envelheceu, perca o interesse no artista mas o mesmo continue com agenda de shows rolando. Acho isso perigoso mas é o que tem acontecido. Não são todos que pensam e agem assim, mas uma grande maioria tem feito isso.

Este ano completou 20 anos do lançamento do “Southernplayalisticadillacmuzik” do Outkast e para comemorar, os caras fizeram vários shows durante o ano todo. Recentemente a gente também teve a notícia que no ano que vem será lançado um filme contando a história do N.W.A. Por fim, o Wu Tang Clan também confirmou nas últimas semanas que eles vão lançar um novo álbum no final do ano. Com todos esses eventos e levando em conta que no ano que vem são 10 anos do lançamento do “Piratão”, já passou pela cabeça de vocês uma reunião do Quinto Andar?

Eu só posso falar por mim, e pra ser sincero nunca pensei não. Procuro, como já falei antes, olhar sempre para frente. Mas também não acho impossível. É difícil mas quem sabe…

Quais os planos para o futuro agora que o álbum já foi lançado e está sendo recebido de maneira muito positiva?

Primeiro estar feliz, equilibrado e me organizar cada vez mais para não me tornar refém do rap ou de qualquer outra coisa e nem depender desse fenômeno da infantilização. Me reciclar para continuar criativo, relevante para a cena, atual e achar a medida certa para amadurecer sem perder totalmente o diálogo com a juventude. Isso não tem fórmula, mas com amor ao meu ofício e bom senso a gente consegue.

No vídeo que vocês fizeram para pedir a ajuda da galera no financiamento do Catarse, em certo momento o Damien Seth fala que o intuito de vocês é fazer clássicos. Eu gostaria de pegar essa deixa para encerrar a entrevista e parabenizar vocês dois e a todo mundo que ajudou na criação do “Nós Somos a Crise”. Se o álbum vai se tornar um clássico, só o tempo pode dizer, mas eu tenho certeza que ele já está marcado como um dos grandes lançamentos do rap brasileiro. Obrigado e boa sorte na caminhada!

Eu que agradeço e falo em nome da família toda. É nós!

*Felipe Evangelista tem 27 anos e passou mais da metade da vida ouvindo hip-hop. É administrador e aspirante a produtor musical.

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Postado por Lucio Ribeiro   dia 08/11/2014
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