
Já avisamos aqui que seria um show “filho único”. Só não sabíamos que seria tão bom. Na última sexta-feira, no meio de tantos shows rolando em São Paulo, o Refused, lenda punk da Suécia, fez uma apresentação de sua turnê de despedida – sua primeira (e última) no Brasil. O público que praticamente lotou o Terra SP presenciou algo que já seria histórico por definição, mas acabou superando a expectativa.
Apesar de contarem com apenas dois de seus integrantes originais, podemos dizer que o Refused nunca soou tão afiado. Com apenas uma guitarra (ao contrário das duas que já tiveram), baixo e bateria, fazem um estrago considerável, mas é o vocalista Dennis Lyxzén quem mais chama atenção, o tempo todo.
É fácil comentar o fato de que Dennis já passou dos 50 e seus vocais continuam impecáveis, porém é a presença de palco dele que comanda a performance. Com movimentos acrobáticos e levemente andrógenos, Dennis dança melhor que 99% dos frontmen masculinos que você deve ver por aí – digamos, uma mistura da atitude de Iggy Pop com a desenvoltura de Ney Matogrosso.
Aliás, os passos de Dennis Lyxzén no palco ressaltam um dos principais pontos do som do Refused: a extrapolação do conceito do que é “ser punk”. É apenas de vez em quando que o repertório da banda se encaixa estritamente nos quesitos (bem limitantes) do que a maioria das pessoas consideraria “música punk”, ou “hardcore”, ou seja lá como queira chamar. Eles misturam a agressividade do metal, interlúdios instrumentais do rock progressivo e até uns solos de guitarra pelo meio. Ideias impensáveis para muitos “true punks” que se recusam a evoluir musicalmente.
[Inclusive, se houve um ponto negativo no show, foi justamente o pessoal que acha que “punk” é ficar fora de si e fazer crowdsurf incessantemente. Crowdsurf pode ser legal, mas quando os mesmos três ou quatro marmanjos já estão na décima tentativa de serem carregados pela plateia, chutando a cabeça de todo mundo pelo caminho, ao ponto de provocar um “Esse cara de novo?”, é hora de parar. Se tem uma coisa que definitivamente não é punk, é atrapalhar a diversão de outras 20 pessoas só para ter a sua diversão.]

O setlist trouxe tudo o que era necessário, e um pouco mais. Após abrirem com a inusitada “Poetry Written in Gasoline”, que não aparece em nenhum álbum do grupo, foram para “The Shape of Punk to Come”, faixa-título do principal disco do grupo, do qual ainda tocariam oito faixas. Recheando o repertório estavam algumas músicas dos primeiros trabalhos da banda, como “Circle Pit” e “Burn It” (que a própria banda diz que “não são tão boas)”, bem como os melhores momentos dos dois álbuns lançados pós-reunião.
Perto do fim do set principal veio o momento mais esperado: “New Noise”, talvez o único “hit’ da banda, que virou praticamente a música-tema da aclamada série “The Bear”. Não tinha como não ser o ápice da noite, com o público berrando o clássico “Can I scream?” e Dennis pulando na plateia para cantar os últimos versos.
A épica “Tannhäuser / Derivé” já seria uma cereja do bolo, um encerramento apropriado, mas o grupo voltou para um bis. Dennis admitiu: “É difícil superar a energia dessas últimas duas músicas. Então vamos fazer o seguinte, tocar uma música antiga e uma recente, e pronto”. Então vieram “Pump the Brakes”, que abre o primeiro álbum da banda, e “REV001”, que abre seu último, mostrando a evolução sonora pela qual a banda passou no decorrer de 30 anos – mesmo que inativos por 14 anos – sem perder qualidade ou identidade.
Por último, não há como deixar de mencionar o aspecto político do grupo, presente não só nas letras das músicas, mas em breves discursos incisivos feitos por Dennis Lyxzén – um dos quais já viralizou em redes sociais.
A fala mais marcante da noite: “Se você comprar a ideia de uma guerra cultural, se você acha que as pessoas trans são o problema, se você acha que os imigrantes são o problema, se você acha que a comunidade LGBTQ é o problema, você pode ser a porra do problema”.
O Refused levou mais de três décadas para chegar ao Brasil, mas sua mensagem é absolutamente atual. Que o fim da banda não traga o fim de sua influência.
***
* As fotos do show do Refused usadas neste post são de Fernando Scoczynski Filho.