Música triste para adolescentes tristes, Gaza, depressão e volta: Radiohead fala pela primeira vez em muito tempo

Música triste para adolescentes tristes, Gaza, depressão e volta: Radiohead fala pela primeira vez em muito tempo Foto: divulgação

Sete anos depois do último show, o Radiohead está de volta. A banda britânica, que moldou uma geração inteira com sua mistura incontrolável de angústia e genialidade, se prepara para uma nova turnê. Pela primeira vez em muito tempo, Thom Yorke, Jonny Greenwood, Ed O’Brien, Colin Greenwood e Phil Selway sentaram juntos para uma conversa longa e franca com o The Sunday Times, publicada na edição de ontem, 26 de outubro.

Mais do que anunciar shows, o reencontro revelou feridas abertas, reconciliações pessoais e debates delicados sobre política, arte e identidade.

Yorke, por exemplo, confessou que o período após 2016 foi devastador. A morte de sua primeira esposa, Rachel Owen, o levou a um ponto de exaustão emocional. “Nunca me dei tempo para realmente viver o luto”, contou. “A dor saía de maneiras que me fizeram pensar que eu precisava me afastar. Sempre encontrei consolo na música, mas houve um momento em que até o piano doía, fisicamente doía, porque tocar significava reviver o trauma”.

Para Ed O’Brien, o hiato foi igualmente necessário. Ele admitiu que, na última turnê, já estava “efetivamente cansado do Radiohead”. “Adorava tocar ao vivo, mas odiava todo o resto. Estávamos desconectados, exaustos. O sucesso tem um efeito estranho sobre as pessoas. Eu simplesmente não queria mais fazer aquilo”, disse. O’Brien revelou ainda que enfrentou uma forte depressão e chegou “ao fundo do poço” em 2021. “O lado bom disso tudo foi perceber o quanto amo esses caras. Conheço eles desde os 17 anos. Passei de achar que nunca mais tocaria com eles para entender que, sim, ainda temos músicas incríveis”.

Esse senso de redescoberta levou o quinteto a planejar a volta aos palcos. Yorke enviou uma lista inicial com 65 canções para que o grupo escolhesse o repertório dos shows. As apresentações serão “in the round”, com o público ao redor, algo que a banda não faz desde 1993, quando abria para o Ned’s Atomic Dustbin. Sobre novas músicas, Jonny Greenwood é cauteloso: “Não sabemos. Não pensamos além da turnê.” Yorke completou, com ironia contida: “Já é um milagre termos chegado até aqui”.

Mas o retorno também vem acompanhado de turbulência. Desde o ano passado, Yorke e Greenwood enfrentam críticas relacionadas ao conflito em Gaza. Yorke chegou a ser vaiado por um espectador pró-Palestina em Melbourne, em 2024, e, mais tarde, publicou uma longa carta aberta criticando as “caças às bruxas nas redes sociais”. “Isso me tira o sono”, disse ao Times. “As pessoas me dizem o que eu devo fazer da minha vida, o que devo pensar. Querem apagar algo que significa tanto para milhões. Mas isso não pertence a elas. Eu não sou uma má pessoa”, desabafou.

Yorke relatou ainda que tem sido abordado nas ruas. “Alguns gritam ‘Free Palestine!’ para mim. Conversei com um cara e disse: ‘Você e eu, discutindo aqui em Londres, enquanto os verdadeiros criminosos, que deveriam estar no Tribunal de Haia, riem da gente brigando nas redes sociais.’ É um teste de pureza, um teatro de impotência. Respeito a indignação, mas é surreal estar do outro lado disso”.

Greenwood, por sua vez, tem sido criticado por suas colaborações com o músico israelense Dudu Tassa, parceria que rendeu até ameaças e o cancelamento de shows no Reino Unido. “É a essência da esquerda: procuram traidores. A direita procura convertidos. É deprimente que sejamos o alvo mais próximo que eles têm”, comentou.

Casado com a artista israelense Sharona Katan, Greenwood explica que passa muito tempo em Israel e não aceita a ideia de boicotar colegas locais. “Já participei de protestos antigoverno lá. Há adesivos de ‘F*** Ben-Gvir’ por todos os lados. Não faz sentido eu dizer: ‘Não vou tocar com vocês por causa do governo.’ Eu não tenho lealdade alguma a eles, nem respeito, mas tenho pelos artistas nascidos lá”.

Questionados se tocariam novamente em Israel, as respostas divergem. “De forma alguma”, disse Yorke. “Não quero estar a 5.000 milhas de distância do regime de Netanyahu”. Greenwood discordou: “Um boicote só reforça a narrativa de que o mundo odeia Israel e dá mais força a governos autoritários. Isso é perigoso. O que me envergonha é ter arrastado Thom e os outros para essa confusão, mas não tenho vergonha de tocar com músicos árabes e judeus”.

Yorke teme que os protestos possam atingir a próxima turnê, mas parece lidar com a situação com o seu sarcasmo afiado de sempre. “Eles não se importam conosco, querem só algo dramático para postar no Instagram. E não, não acho que Israel deva participar do Eurovision, mas também acho que o Eurovision não devia existir. Então, o que eu sei?”, destacou, citando o famoso festival de música da Europa.

Mas, como nem só de política vive (ou morre) o Radiohead, a banda tem lidado com outra “preocupação”: a bela e velha canção do grupo, “Let Down”, viralizou no TikTok, reacendendo o interesse de uma nova geração. 

“Acho bizarro”, disse Yorke. “Lutei com unhas e dentes para que ela ficasse fora de OK Computer, mas o Ed ameaçou sair da banda se eu fizesse isso”. O’Brien riu: “É o coração emocional do disco”. Ao contar a novidade aos filhos, de 18 e 21 anos, ouviu uma resposta direta: “E o que você esperava? É música triste para adolescentes tristes”.

O Radiohead retoma os shows na semana que vem com quatro apresentações seguidas em Madrid. Até o final do ano, os ingleses também passarão por Bologna, Londres, Copenhague e Berlim.

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