Em “7 Estrelas | quem arrancou o céu?”, seu novo álbum lançado hoje, Luiza Lian volta com força para falar a sua verdade. Em uma transposição impecável da vida para a obra, a cantora paulistana e Charles Tixier, seu fiel companheiro de produção de três de seus quatro discos, apresentam ao público nesta sexta-feira um trabalho, cheio de timbres e “liberdades sonoras”, que reflete sobre a realidade da humanidade nos últimos anos a partir da sua, com toda a raiva e a compaixão necessárias para retratar o surreal.
Num primeiro momento as canções parecem contar uma história que conhecemos muito bem, trazendo temas recorrentes dos longos anos de pandemia sob um desgoverno nacional e internacional. Mas o que pode surpreender muitos é que o disco foi composto em sua totalidade em 2019.
Segundo Luiza nos falou em entrevista, “as músicas têm um quê misterioso de premonição”. Como na primeira faixa em que ela canta numa voz distorcida, “Todo mundo fake/ Todo mundo mito /Todo mundo morto”.
Mas para ela todos os temas do álbum já estavam bem latentes, pois “as sementes do que vivemos foram plantadas em 2018 e 2019. O que aconteceu em 2020 só exacerbou essa realidade.”
Apesar de as composições já estarem completas, o processo de produção concedeu muitas camadas às músicas. A própria gravação e a decisão de segurar o lançamento do disco foram resultado da pandemia
Esse isolamento alimentou e foi essencial para elevar a parceria entre a dupla Luiza Lian e Charles Tixier. Um dos elementos mais importantes no disco está na produção, onde Charles conseguiu incorporar uma colagem eletrônica que reflete perfeitamente a estética visual e narrativa do disco.
A história de “7 Estrelas | quem arrancou o céu?” só pode ser contada com a união de composição e música. Existe no disco uma simbiose que é muito difícil de atingir. São dois cérebros trabalhando como um só.
No álbum, Luiza brinca com a linguagem em um jogo constante. É um disco dinâmico que acompanha a jornada de uma heroína. Começamos com a personagem principal nos convidando para uma viagem através de sua música, em busca de uma verdade e longe das miragens dos espelhos, numa alegoria às redes sociais.
Neste início, Charles veste a voz de Luiza com elementos eletrônicos quase como uma armadura, para prepará-la para a jornada que vai se seguir nas outras músicas todas.
Essa heroína, no caso Luiza em sua obra, é uma pessoa humana. Ela não fala de uma posição espiritual, mas do terreno. E ao longo da jornada, fazendo alusão aos mitos de Narciso e Ícaro, a cantora reflete sobre decepções e ódios, de forma mais clara nas faixas “Tecnicolor”, que tem a única colaboração externa no disco por parte da cantora Céu, e “Forca”. E fala também dos desejos inerentes ao ser humano na faixa “Homenagem”.
O ápice do disco vem na faixa “Cobras na Sua Mesa”, onde ela trava uma batalha com o inimigo sem nome. Saindo vitoriosa, Luiza Lian segue em sua viagem para finalmente clamar “Pode ser que eu esteja aqui por todos os motivos errados/ Mas eu estou aqui”.
Em sua trajetória, Luiza vai se despindo dos elementos eletrônicos nas músicas e reconhece três pontos fundamentais de sua realidade. Quem ela ama, finalizando sua viagem no porto de seu amor em “Desabriga”. No que ela acredita (e os entes e elementos que a protegem espiritualmente), as “7 Estrelas”. E sobre poder abrir mão da dor e lavar a alma do que não é seu, finalizando o disco com “Deságua”, a faixa que assume sonoridades do samba e MPB, num contraste absoluto à primeira música do álbum.
Este novo trabalho de Luiza Lian remete mais aos trabalhos anteriores da cantora paulistana do que seu aclamado disco “Azul Moderno”, de 2018. Para ela existe uma linha do tempo enviesada, o processo de um disco atravessou o outro. E um novo trabalho que se assemelha ao estilo do “Oyá Tempo”, de 2017, foi um movimento objetivo e claro.
Quando o mundo se fechou e as redes sociais eram a única forma de relacionamento, Luiza parou de se comunicar para entender o que tinha para dizer. “No 100% digital, virou uma corrida maluca para se posicionar”, lembra ela, sobre o movimento dos artistas de irem ao digital e produzirem conteúdos só pela percepção de relevância. O que a fez refletir sobre qual seria o lugar da arte e o do influencer nessa nova era que surgia. “A poesia vem à frente. [Decidi que] quando eu tivesse algo para dizer, eu voltaria. O que me interessa é que a música chegue nas pessoas.”
Resumindo: em “7 Estrelas | quem arrancou o céu?”, Luiza Lian retorna do âmbito espiritual, da contemplação de dentro para fora, para refletir sobre como o mundo estava impactando a ela e as suas relações com a realidade.
O arco narrativo do disco, percebe-se quando a audição dele termina, é a transformação da artista frustrada com o seu mundo para o reconhecimento da sua existência, dos seus companheiros de viagem, dos astros e entes que lhe protegem, e do poder de sentir mais dores que não suas. O que no fim lava a sua alma e dá um desfecho para o disco. Um ciclo completo para uma nova fase de Luiza Lian.
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* A foto de Luiza Lian usada para este post é de Leon Gurfein. A imagem da capa do álbum é de Larissa Zaidan