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Na história do rock e da música pop em geral, entre Sister Rosetta Tharpe empunhar uma guitarra e o solo de flauta da Lizzo, basicamente, as mulheres sempre precisaram fazer o dobro, triplo, muito mais que os homens para não terem suas vozes apagadas, ignoradas muitas vezes. A mesma história que encontramos nas mais diferentes áreas, veja o futebol ou o mercado de trabalho, por exemplo.
É por conta dessa cota extra de trabalho que praticamente todas são símbolos de resistência só de conseguirem subir no palco. Mesmo que não toquem no assunto, mesmo que não tragam um discurso direto contra tudo que as mulheres enfrentam, do machismo à violência ou à pressão estética, entre outras frentes.
Para não cometer muitas injustiças resolvemos listar aqui exemplos de resistência da nova geração gringa. Exemplos esses que mostram como as mulheres em vários campos da música defendem diferentes bandeiras. Todas importantes e todas merecedoras de muita atenção.
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Stephanie Phillips, Estella Adeyeri e Chardine Taylor-Stone são as integrantes deste trio punk que tem uma ótima definição para o som que fazem: “The Ronettes filtrado através do DIY dos anos 80 e das riot grrrls com uma pitada de dashikis” (a camiseta colorida do oeste africano que virou símbolo de resistência para os afro americanos). No palco, elas formam uma linha de frente, literalmente, por colocarem a baterista lá na frente. Entre as principais questões que a banda enfrenta está serem aceitas como punks que são. “Eles vêem três mulheres negras no palco e acham que estamos fazendo R&B”, disse a baterista Chardine Taylor-Stone em uma entrevista.
Foto de Ellie Smith
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Quantos homens com guitarra na mão, pouca preocupação com o visual, com um vocal mais desleixado que técnico e que cantavam sobre a vida comum fizeram história na música? Quantas mulheres? A comparação é desproporcional. Para as mulheres fica reservado um espaço melhor quando elas cantam muito, são performáticas e se vestem de maneira única, entre outros requisitos. Courtney Barnett é, entre várias mulheres do passado e do presente, um dos símbolos da quebra desse limite imposto, como escreveu a especialista Blair Williams em um texto de 2015. Ter sua obra desrespeitada e alvo de críticas machistas, especialmente na internet, rendeu, por exemplo, a música “Nameless, Faceless”, onde ela lamenta os odiosos e ainda aborda sentimentos que só as mulheres podem entender profundamente, como o medo de andar em rua escura e solitária em uma simples volta para casa.
Foto de Pooneh Ghana
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A apresentação de “Juice” que a Lizzo fez no MTV Movies & TV Awards de 2019 é histórica. O mesmo vale para a apresentação dela no BET Awards. No universo que tanto julgou (e ainda julga) o peso e a forma das cantoras pop, ela pôs abaixo o que qualquer gordofóbico tenha a dizer. Imagina se, por conta de tanto preconceitos com corpos que não obedeçam padrões, nós fôssemos afastados do talento, da musicalidade absurda, do fôlego e da beleza que é uma apresentação da Lizzo? A gordofobia expressa em coisas aparentemente sutis como a moda, quando não oferece opções para todos os tamanhos, ou o humor, quando faz graça com o peso de alguém, acaba com a autoestima de muitos. A Lizzo é uma mulher que poderia ter deixado de se expressar por conta dessa pressão toda. Hoje ela é o apoio de muitas!
Foto de Pari Dukovic
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Para ter reconhecimento na música você precisa de talento, mas isso é só parte da história. É preciso conhecer o jogo. E, mesmo com a revolução da internet, parte do jogo envolve gravadoras e administração de negócios. Não ter um apoio nessa área exige trabalhar mais e correr o risco de ficar de canto entre os grandes da indústria, ao mesmo tempo que oferece liberdade criativa e até pagamentos mais justos. Ter o próprio selo foi a escolha de Little Simz, que começou postando suas músicas direto na internet, teve que gravar sozinha por muito tempo, até ser dona do próprio negócio e comandar parcerias com empresas maiores que poderiam fazer o meio de campo de distribuição e outras tarefas que um selo independente não dá conta. A recompensa agora é sua liberdade artística e praticamente o mesmo acesso a tudo o que tem alguém que assinou com uma grande gravadora.
Foto de Jack Bridgland
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Saffiyah tem uma história um pouco diferente dos outros exemplos de resistência que falamos aqui. Ela não trabalha com música como ofício, mas está em turnê com a banda The Specials. Uma história que começa quando ela foi fotografada com a camiseta da banda enquanto era cercada por homens ligados a um grupo que defende pautas racistas, homofóbicas e islamofóbicas. Diante de tamanha violência, Saffiyah sorria na foto que viralizou. O Specials convidou ela para ver um show da banda, mas foram além e Saffiyah aparece no novo disco do grupo na faixa “10 Commandments” (“10 Mandamentos”), que revisa uma letra muito machista de Prince Buster, cara que influenciou o Specials. Aqui, em tradução livre, saem alguns versos absurdos da música original (“Não cometerás adultério/ Pois o mundo não vai me culpar se eu cometer um assassinato) e entram os mandamentos de Saffiyah: “Você não deve dizer a uma garota que ela merecia/ porque a saia dela era muito curta”.
Foto de Ben Bentley
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